Por estes dias, a Europa está, acima de tudo, preocupada com o potencial de desestabilização internacional de uma administração Trump. É natural que assim seja, tendo em conta que a vertente externa é a que mais afecta directamente os europeus e que o discurso do candidato Trump não augura nada de bom em relação ao Presidente Trump. A possibilidade de um retrocesso dos EUA no quadro da NATO poderá expor as debilidades da União Europeia em matéria de defesa, precisamente num dos momentos mais críticos do processo da integração europeu.
No entanto, os norte-americanos que votaram no candidato republicano não estavam extraordinariamente preocupados com a política europeia nem com os novos rumos na relação com a Federação Russa. Ao que tudo indica, segundo alguns estudos de opinião e em linha com o próprio êxito de Trump em estados tradicionalmente democratas, a eleição foi ganha pelo seu discurso simplista acerca dos problemas económicos que os EUA enfrentam no actual contexto global. Michael Moore, conhecido pela sua militância “liberal” radical – no sentido norte-americano do termo –, foi das poucas figuras públicas que alertou para os riscos de uma campanha eleitoral em que Trump ficou sozinho a falar para os que mais perderam com a globalização.
O simplismo de um raciocínio assente na defesa da cartilha protecionista, conjugado com a diabolização do “estrangeiro” (imigrante ou país emissor das importações dos EUA), parece ter sido suficiente para convencer largas franjas do eleitorado, que viram as suas condições de vida deterioradas nas últimas décadas. Este não é, aliás, um fenómeno exclusivo dos EUA: há anos que a Frente Nacional regista bons resultados em municípios outrora dominados pelo Partido Comunista Francês (PCF).
Nada disto tem que ver com eventuais coincidências no discurso dos dois extremos do espectro político. A causa desta transferência de votos está, no essencial, relacionada com a mudança de posicionamento dos EUA e de França na economia mundial e com a alteração da posição dos eleitores enquanto agentes económicos. Os que antes eram operários, e viam os seus interesses protegidos pelo voto no Partido Democrata (com fortes ligações ao sindicalismo norte-americano) ou no PCF, procuram agora, enquanto desempregados ou reformados, a protecção que lhes é garantida pelo candidato Trump ou pela extrema-direita francesa.
Até agora, as experiências governativas desta nova geração de populistas de direita foram muito limitadas e, salvo excepções como a Hungria e a Polónia, circunscreveram-se à participação em coligações ou acordos de incidência parlamentar. A sua chegada ao poder na maior potência será também um teste que poderá desmoronar a sua credibilidade aos olhos de quem confiou num programa cuja aplicabilidade é, no mínimo, duvidável. A única vantagem da eleição de Trump poderá ser a sua própria descredibilização.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.