O Priberam define greve como uma “interrupção temporária, voluntária e colectiva de actividades ou funções, por parte de trabalhadores ou estudantes, como forma de protesto ou de reivindicação”, ou seja, a supressão de um serviço como tentativa de alertar a entidade patronal para uma situação que, no entender dos grevistas, é injusta.

A definição parece-me bastante imediata e conhecida, mas as palavras das ministras da Saúde e da Justiça deixaram-me na dúvida, já que ambas pareciam surpreendidas com o carácter lesivo das greves dos enfermeiros, no caso da primeira, e dos juízes, na segunda.

Apesar do “fim da austeridade”, da reposição de rendimentos, da maravilha orçamental e, de forma geral, da wonderland que é o nosso país na versão geringonça, este ano já viu mais de 170 greves convocadas, e ainda 2018 não acabou (até ao final do ano estavam convocadas, à semana passada, quase 50 greves, que garantiriam que não haveria dia sem greve até à passagem de ano).

Isto apesar do Governo clamar que, com aumentos nominais de 20 euros no salário mínimo nacional, devolve a dignidade aos trabalhadores portugueses, continua a não abranger várias carreiras com as quais se havia comprometido a, entre outras coisas, descongelar progressões e aplicar a lei das 35 horas, como no caso dos enfermeiros, ou a negociar um novo contrato colectivo de trabalho para a CP.

Nas prisões, os guardas estarão em greve até pelo menos depois do Natal pela negociação de um novo estatuto profissional, sendo que, em Dezembro, houve já motins em Lisboa e Custóias – para não falar na falta de condições no sistema prisional português, onde o castigo quase sempre se sobrepõe à reabilitação. Os Bombeiros viraram costas à Autoridade Nacional de Protecção Civil, sendo que os profissionais marcaram já greve para o início de 2019.

Os estivadores de Setúbal estiveram mais de um mês em luta contra a precariedade que o BE e o PCP tanto criticam e repugnam, mas que viabilizam nas votações parlamentares, enquanto a Justiça é atacada por todos os lados, com greves dos juízes, funcionários judiciais e inspectores da PJ. Já os professores continuam a sua luta de ver contabilizados os nove anos de congelamentos, enquanto o Governo propõe considerar apenas dois.

Será esta a paz social que o Governo, em conjunto com os seus parceiros de governação, anunciou aquando desta legislatura? Será que não se vê nestes sectores uma importância estratégica e necessidade de criar dinâmicas de maior eficiência, que passam obviamente pelo reconhecimento do trabalho de quem efectivamente contribui para o crescimento e recuperação do país?

Os enfermeiros, por exemplo, constituem um exemplo perfeito: a fuga quase maciça destes profissionais qualificados do país, empurrados pelas fracas condições de trabalho e baixa remuneração, cria um vazio na prestação de cuidados de saúde num país bastante envelhecido e, por conseguinte, com necessidades crescentes de trabalhadores qualificados nesta área – e a situação não parece mudar num futuro próximo.

Também os estivadores, pela importância do mar na economia portuguesa e, no caso específico do porto de Setúbal, pelo peso da Autoeuropa, necessitam de uma negociação séria e competente das suas condições de trabalho (até porque, sendo os portos os principais pontos de entrada de mercadoria no país, é fácil deduzir-se que, à falta de um rendimento legal adequado, a tentação de entrar em esquemas ilegais que rendam um “ordenado complementar” é grande, e tal raciocínio também se aplicará, por exemplo, aos guardas prisionais).

Já na Educação parece-me que, infelizmente, os problemas irão bastante além do tratamento dado à classe, mas estou também seguro que, com as actuais condições, serão poucos os indivíduos competentes e qualificados que optarão por esta carreira.

Não estando a defender que se dê de mão beijada tudo o que qualquer empregado peça ou reivindique, são já demasiadas as situações acima enumeradas para não reconhecer um problema com a entidade patronal. E, claro, as expectativas dos trabalhadores ajustam-se ao cenário político, sendo que um governo de esquerda prometendo uma maior justiça social cria a ilusão, para certos sectores, de que a sua situação se alterará. Até agora, a ilusão tem sido maior que a realidade.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.