No meio da emergência sanitária e da pandemia, estalou uma polémica a propósito da forma como alguns decidiram comemorar o 1º de Maio.

Argumentaram uns que a data tinha de ser comemorada de forma pública, como sempre foi, e que os desafios que se nos apresentam impunham que esta comemoração se continuasse a fazer na rua. Outros, pelo contrário, salientaram que era suposto respeitar o estado de emergência, e por isso celebrar a data de forma mais virtual.

Abundaram igualmente críticas sobre quem legislou, autorizou e cedeu meios, para que as restrições aplicadas aos outros cidadãos, mormente à circulação ou o distanciamento social, tivessem admitido tal excepção.

Independentemente da justiça dos argumentos de uns e de outros, permitam-me reiterar que existem três mitos que estão na base desta discussão. No fundo, querer reduzir o movimento sindical português a uma Alameda, é tomar a nuvem por Juno.

O primeiro é que o 1º de Maio é, no essencial, uma festa marxista-leninista, o que manifestamente não é. A data celebra direitos vitais de quem trabalha: horários, direito ao descanso, remuneração digna, proteção contra acidentes e doença, ou férias pagas, e homenageia aqueles que em Chicago, em 1886, deram a vida, numa impressionante manifestação, para que hoje os trabalhadores do mundo livre pudessem ter estes direitos. Tudo muito anterior aos partidos políticos continentais europeus. O 1º de Maio não tem donos nem ‘herdeiros’ designados por testamento autoproclamado.

O segundo mito é que os sindicatos são todos controlados por partidos de extrema-esquerda. Lamento, mas não são, ainda que alguns gostassem que assim fosse. A manifestação em rua, o preenchimento do espaço mediático, não são o exclusivo de uma forma de sindicalismo em oposição a todas as outras. A maior parte dos sindicatos, em Portugal, são de matriz independente, não filiados em qualquer partido político. Lamento que alguma comunicação social reduza o mundo sindical a preto e branco, quando existem muitos tons e matizes. Ignorar a diversidade sindical pode ser útil para alguns, mas é uma realidade que não corresponde aos factos.

O terceiro mito é que a defesa dos direitos dos trabalhadores não se pode fazer de diversas formas. Só o protesto de rua corresponde ao genuíno sindicalismo. Nada de mais errado. A negociação, a capacidade de perceber os interesses e as posições antagónicas, o ser capaz de chegar a compromissos, em nada diminuem os direitos dos trabalhadores, ou a salvaguarda dos seus interesses a longo-prazo.

Num 1º de Maio têm lugar todas as visões e ideologias, incluindo daqueles que recusam servidões partidárias. Foi da livre disputa entre várias visões que o movimento sindical cresceu, foi ganhando robustez e se tornou responsável pelos maiores avanços nas condições de vida dos trabalhadores. É a partir da defesa intransigente dos trabalhadores, sem subserviências que não aos próprios, que podemos aspirar a uma sociedade mais justa, onde o labor, o mérito e a competência possam frutificar.

Seria melhor que a sociedade portuguesa valorizasse mais a negociação colectiva e pugnasse pela existência de uma concertação social mais plural. A discussão sobre uma qualquer Alameda perderia certamente relevância. Afinal, em Portugal, no mundo sindical não há Donos Disto Tudo.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.