1. Há poucos dias li um excelente artigo de opinião do Presidente do Instituto Superior Técnico, Professor Arlindo Oliveira, sobre este assunto. Excelente no sentido da leitura do percurso até ao ponto em que nos encontramos. Já me permito distanciar das soluções propostas para a absorção do excesso de doutorados (acima dos 2.000) “produzidos” anualmente em Portugal.

Escreve o Professor Arlindo Oliveira: “Há 50 anos atrás, ter um curso superior era um privilégio pouco comum, e eram praticamente inexistentes as formações mais avançadas, tais como mestrados ou doutoramentos.

Em 1970, foram concedidos 60 doutoramentos em Portugal, um número que deve ser comparado com os cerca de 3.000 doutoramentos que são concedidos no país em cada um dos anos mais recentes”. Destes 3.000/ano, admite-se no artigo referido, são colocados cerca de 500 no ensino superior público, para a natural renovação do corpo docente, ficando 2.500 para serem absorvidos por outras instituições.

Reportando-nos ao sistema científico e tecnológico nacional, as carreiras não docentes (centros de investigação, institutos, etc.) têm uma capacidade de absorção de doutorados “muito inferior às instituições do ensino superior” – refere o artigo. Concluindo, menos de 1.000 doutorados/ano em 3.000 têm colocação assegurada no País, uma vez que as empresas também absorvem muito poucos.

Apesar desta realidade tão crua, o Professor Arlindo Oliveira conclui que não se formam doutorados a mais, justificando-se com os rácios comparativos: “Formamos em cada ano cerca de 0.8 doutores por cada 1.000 adultos com idades entre os 25 e os 34 anos, o que corresponde a menos de metade do valor de países como a Holanda, a Suécia, a Alemanha ou a Dinamarca”.

Na opinião do Professor, Portugal não está a formar doutores a mais. Apenas reconhece um problema de procura, ou seja, reconhece, não há mercado para a colocação dos excedentes.

2. A resposta para mim é sim, há excesso de formação/ano de doutorados muito acima do que o mercado, nas circunstâncias actuais, pode absorver. A resposta é não quando se comparam rácios da situação portuguesa com os dos países desenvolvidos.

Mas será um bom princípio guiarmo-nos, simplesmente, por rácios comparativos? Será que, com a estrutura económico-social existente, esses rácios se ajustam ou ajustarão ao nosso país?!

Não penso ser um bom caminho apostar em rácios no abstracto. O problema de fundo é o do ataque ao défice de procura.

3. Indo por partes. Há um problema real de subfinanciamento público e uma falta eventual de (re)definição de carreiras (?) na Administração Pública. Mas, para se avançar de forma consolidada na solução do défice da procura, a identificação rigorosa e a definição de prioridades de formação são fundamentais.

Cingindo-me a uma área que conheci melhor.

Há dias, o ministro do Planeamento, Dr. Nelson de Souza, disse e bem que é preciso revalorizar a função de planeamento e que iniciará essa tarefa em 2020. Depois de tantos anos de (des)governação a fecharem-se departamentos nos diferentes ministérios, a destruir serviços que desenvolviam trabalhos úteis no campo da Prospectiva e Planeamento, estudos económicos, a não formar técnicos em domínios como matrizes (podem contar-se pelos dedos da mão os que hoje ainda existem exceptuando o INE), modelos de análise económica, tratamentos de dados estatísticos por métodos avançados etc..

Esta linha de trabalho apontada por Nelson de Souza,  se passar além da declaração de intenções, equivale a uma ruptura com a mentalidade implantada nos governos: estudos dão-se às multinacionais ou às grandes casas de advogados que, quase sempre, aplicam a “chapa 4”; nem tendência se nota no sentido da colaboração com as Universidades.

Refiro esta questão por ter sido a da minha vivência. Em outros domínios, como a cultura, a educação, o direito, o ambiente, a saúde, o ensino, a segurança, etc., aconteceu o mesmo. A reformatação de tudo isto cria espaço para “casar” o trabalho técnico e a investigação, onde cabem os doutorados.

Para além disso, como fazer a selecção dos doutorados para estes trabalhos? Será que deverão ser doutorados antes ou decorrentes das características e necessidades dos trabalhos dos Departamentos (especializados)? Ou seja, há áreas específicas nos diferentes serviços que precisam de aprofundamento, um problema de formação complementar (doutoramento ou similar).

O processo mais fácil, prático e eficaz é o estágio e contactos regulares com organismos com efectiva e sólida experiência na matéria. Por exemplo, matrizes com certos organismos públicos da Holanda. Contas Satélites, matrizes, stock de capital provavelmente no INSEE, etc., de preferência em articulação com as Escolas Superiores portuguesas. Esta situação levanta problemas institucionais complexos, pois não se trata de “doutoramentos” clássicos. Mas sem esta visão as soluções coxas vão persistir.

4. Outra questão: será legítima uma carreira por exemplo de Mestres pós Bolonha distinta da de Licenciados antes de Bolonha? E será que um doutorado num serviço é mais produtivo que um técnico experiente?

Paremos com as interrogações. Um programa de ruptura a muito longo prazo exige pensamento estruturado de fundo nas diversas variantes desta problemática.

5. As empresas portuguesas empregam um número muito baixo de doutorados. Menos de 5%, quando na UE a média andará acima dos 30%. Nas empresas portuguesas, direi na maioria, subsistem algumas ideias negativas sobre o doutorado, sendo a mais comum a de profissional caro e de pouco saber prático.

Não sei se terão razão, mas é a realidade: olham para o doutorado como o que vem mandar e mal sobre outros que sabem mais. Um problema difícil e não creio que seja através de incentivos que se resolve esta questão, a não ser em empresas que pela dimensão ou situação específica têm apetência para enquadrar doutorados.

De algum modo, estas mesmas questões se colocam em menor escala em relação à admissão de técnicos. E será que em empresas de pequena/média dimensão serão necessários doutorados? Que competências acrescentam? Sem dúvida que as empresas necessitam de conhecimento e sobretudo inovação incremental nas mais diversas áreas, mas será que o Doutor isolado resolve? O caminho não será mesmo outro?

Já se analisou a fundo o contributo dos centros tecnológicos que existem em vários sectores? Não será de ampliar o seu raio de acção para outros domínios como o da organização e gestão de empresas, promoção de mercados e dotá-los de técnicos em dimensão ajustada? Não será pela aposta na criação de grupos técnicos/doutorados permanentes nesse tipo de centros que, em articulação com as associações empresariais, devem desenvolver, levar e apoiar in loco a implementação dos conhecimentos nas empresas?

6. Poderíamos ficar aqui a questionar o processo clássico de formar doutores para certas funções, as novas formas de disseminar o conhecimento nas empresas, e não chegaremos a lado nenhum se não optarmos por uma via prática mas sólida de tornear a situação, sem lançar a pedra basilar. Identificar as necessidades e, depois, reprogramar tudo isso de forma consistente.

Equacionar esta problemática, auscultando todos os interessados para um plano de fundo, faseado e a muito longo prazo. Sem esse trabalho, o País não vai a lado nenhum. Apenas remenda. Continuará, e mal, a aplicar recursos de forma improdutiva num domínio essencial a uma nova economia e sociedade – a formação avançada de elevada qualidade.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.