De cada vez que um determinado grupo profissional decide reclamar mais direitos ou, alternativamente, recuperar os que já teve, logo um coro de vozes, maioritariamente constituído por trabalhadores doutros sectores, se levanta, responsabilizando-os por tudo o que de mal possa vir a suceder no país. É uma velha táctica esta, a de se porem cidadãos contra cidadãos, a qual, estranhamente, em Portugal nunca falha. Daí que, cada vez mais, parece ser oportuno relembrar conceitos básicos e constitucionalmente consagrados, entre os quais avultam o do trabalho igual/salário igual e o da conciliação entre o tempo de trabalho e o tempo de repouso.

Foi assim no caso dos estivadores, como está a ser no caso dos enfermeiros ou dos trabalhadores da Autoeuropa.

Quanto aos primeiros veio dizer-se que estão a colocar em risco vidas, no que para mim constitui um reconhecimento claro e inequívoco de que, de facto, desempenham funções específicas. E, note-se, para mim é completamente indiferente se esta luta é, ou não, comandada materialmente pela Bastonária da Ordem dos Enfermeiros, uma vez que o que releva é o essencial e este prende-se com a justiça da reivindicação: se não é verdade que a prestação dos enfermeiros em causa pressupõe um determinado grau de especialização porque é que a recusa de continuarem a prestar essas tarefas faz diferença? E se é verdade que prestam essas tarefas específicas porque motivo não serão remunerados de acordo com tal prática?

Já quanto aos segundos a tónica é colocada nos perigos que encerra uma hipotética saída daquela empresa do território nacional. Entendamo-nos: a Autoeuropa instalou-se em Portugal com subvenções e apoios estaduais que não são dados às pequenas e médias empresas, sendo que o custo de um trabalhador português é infinitamente inferior ao de um alemão. Pretender obrigar os trabalhadores a cederem, sem mais, a uma imposição da empresa, fazendo recair sobre os seus ombros a manutenção da dita fábrica cá é, não apenas completamente hipócrita, como superficial. Se por ventura a manutenção da Autoeuropa no nosso país dependesse de tais sábados, como se afigura evidente, os próprios trabalhadores não tratariam de colocar em causa os seus postos. Por outro lado, é admissível que se altere o quotidiano de uma família, qualquer que ela seja, sem mais? E se fosse a vossa a família?

Vivemos, de facto, tempos perigosos. As redes sociais são, muitas vezes, pasto para toda a sorte de comentários odiosos que alastram para onde menos se espera. Termino com uma proposta de exercício: quando estiverem de dedo em riste (não esquecendo que, cada vez que apontamos, os demais dedos estão virados para nós próprios…) coloquem-se na posição dos visados. Sim, e se fossem vocês?

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.