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Habitação: Mais areia para esta camioneta

A resposta necessária para esta voracidade do mercado encontra-se em medidas que beneficiem o arrendamento e que permitam um forte investimento em habitação pública. As propostas do BE garantem uma maior receita para que o investimento público se faça e se inicie, de forma corajosa, aquilo que tem de ser construído: um serviço nacional de habitação.
21 Novembro 2018, 21h03

Em Portugal, apenas 2% da habitação é pública, o que contrasta com os 20% na Dinamarca ou ainda os 30% na Holanda, conforme se pode ler no relatório “The State of Housing in the EU 2017”, o qual confirma que os países mais resilientes à crise no arrendamento, decorrente da crescente financeirização do edificado, foram os que mais oferta em habitação pública garantiram.

A alteração no uso da habitação que se tem vindo a verificar em Portugal, desde 2012, tem tornado os inquilinos pessoas extremamente vulneráveis às constantes modificações do mercado e à especulação. Se a intenção era a de liberalizar o mercado privado, estas medidas tinham de ter sido tomadas em conjunto com um forte investimento público em habitação, garantindo a resposta às necessidades habitacionais.

Assim não foi, a direita tudo entregou aos privados sem nada garantir de resposta pública. Sem o decisivo investimento em habitação pública, as alterações no arrendamento privado foram e são uma tragédia para as pessoas que vivem do rendimento do seu trabalho. Em paralelo, ocorreu um aumento da procura turística e especulativa internacional, tornando a habitação ainda mais vulnerável à cobiça do lucro rápido e fácil, primeiro dos pequenos proprietários nacionais e, ultimamente e cada vez mais, dos grandes especuladores internacionais.

O próprio Banco de Portugal, no Relatório de Estabilidade Financeira de junho de 2017, dá conta da exposição do mercado imobiliário português à flutuação financeira internacional e da sobrevalorização operada nos preços das casas. Fruto de políticas públicas que apostam em benefícios fiscais, como o regime de residentes não habituais, entre outros; da liberalização dos contratos; ou do incentivo ao investimento especulativo internacional sem contrapartidas visíveis, como é o caso dos vistos gold; a oferta que garantia a habitação nas principais cidades portuguesas tem vindo a ser capturada. Este cenário levou ao aumento exponencial, não só das rendas que têm vindo a crescer consistentemente na ordem dos 20% anualmente, mas do preço das próprias casas, tornando a aquisição de habitação própria e permanente numa ambição impossível para cada vez mais jovens e famílias.

Em Lisboa, desde 2013, as rendas aumentaram cerca de 70%. No segundo trimestre deste ano, 38 municípios portugueses, localizados maioritariamente no Algarve e na Área Metropolitana de Lisboa e Porto, na Região Autónoma da Madeira e no Alentejo Litoral, registram preços da habitação superiores ao valor nacional. Comprar uma casa em Portugal ronda os mil euros por metro quadrado.

Se olharmos para as mais-valias, que incluem e refletem o aumento vertiginoso dos preços na transação imobiliária, verificamos que cresceram 46,7% em 2015 e 36,1 % em 2016. Os rendimentos prediais, que refletem as rendas praticadas, cresceram 40,5% em 2015 e 17,5% em 2016, segundo os dados da Autoridade Tributária. Entre 2016 e 2017, o Imposto de selo aumentou na ordem dos 29%, alcançando os 231 mil euros. Por sua vez, o IMT subiu 24% para 900 milhões e a isenção deste imposto em prédios para revenda andou à volta de 177 milhões, num crescimento de cerca de 32% nas isenções na compra de prédios para revenda em relação a 2016. Quanto ao agravamento do IMI em 2017, apenas 23 concelhos tinham agravado o IMI para prédios devolutos. Concomitantemente, no final de 2017, um levantamento do IHRU identificava cerca de 26 mil famílias em carência habitacional (74% das quais viviam nas duas áreas metropolitanas) e a necessidade de um investimento de cerca de 1.700 milhões de euros.

Percebe-se assim que a resposta necessária para esta voracidade do mercado encontra-se em medidas decididas que beneficiem o arrendamento e que permitam um forte investimento em habitação pública. Nesse sentido, propusemos incluir no Orçamento do Estado para 2019 uma combinação de medidas que, não sendo toda a resposta para os problemas de habitação em Portugal, procura dar um contributo nesse sentido.

Destaco medidas em três áreas essenciais: i) o reforço das políticas públicas de habitação, com a manutenção do parque habitacional na esfera pública; o aumento substancial das verbas para reabilitação e aquisição do edificado para fins habitacionais, além do apoio aos inquilinos no regime de renda apoiada com maiores dificuldades; ii) um conjunto de alterações fiscais sobre o mercado imobiliário, com o agravamento do IMI para os prédios deixados devolutos e um novo regime de tributação de mais valias imobiliárias em IRS e IRC, mais justo, que penalize os movimentos especulativos, incentivando a reabilitação e a moderação nos preços de mercado; e iii) a eliminação de fatores de pressão sobre o mercado imobiliário, com a eliminação do estatuto fiscal do não-residente e do regime dos vistos gold.

Pretende-se, com as alterações propostas, cumprir três objetivos. Em primeiro lugar, construir um modelo mais justo do ponto de vista da tributação das mais-valias imobiliárias. Em segundo lugar, criar incentivos de promoção do investimento em reabilitação e penalização da especulação e alta rotatividade dos imóveis. Em terceiro lugar, a obtenção de fontes de financiamento que assegurem um ciclo de investimentos estruturais em construção, reabilitação e promoção da habitação pública.

Se as medidas apresentadas pelo Governo careciam de investimento, as propostas do Bloco de Esquerda garantem uma maior receita para que esse investimento público se faça e se inicie, de forma corajosa, aquilo que tem de ser construído: um serviço nacional de habitação.

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