O reconhecimento dos contributos individuais para a história consagra-se através do filtro do tempo e do alívio da emotividade. O papel de cada personalidade é avaliado pelos respetivos seguidores ou detratores, pelo ambiente e pela mudança dos valores presentes em cada momento.

Heróis do passado são esquecidos ou abandonados face às novas apreciações de comportamento, por novos poderes dominantes, pela alteração de perspetiva da sociedade.

Recentemente, personagens como Edward Snowden ou Julian Assange assumiram-se como libertadores, invocando o direito a violar a lei em nome de uma liberdade ou verdade superior. O mesmo pode acontecer agora com um português que se recusa, como os anteriores, a ser considerado um hacker ou um criminoso, caracterizando-se antes como alguém com uma missão e um propósito, acima da lei e desafiador de convenções.

Arrogantemente, todos invocam uma condição de superioridade, de conhecimento e dimensão acima dos cidadãos comuns. Usam os seus conhecimentos cibernéticos para divulgar, sem contraditório, informação privilegiada, por canais unilaterais que pode ou não ser real. O seu propósito anunciado é vencer uma sociedade acomodada, que acredita numa realidade ficcionada, e consideram-se os arautos da liberdade de conhecimento, a quem tudo é permitido, inclusive o direito de violar a lei sem punição.

Em vários momentos da história houve personagens que assumiam este perfil. Seres presumivelmente superiores que se acharam no direito de reclamar um lugar especial na história. E no seu entendimento isso confere-lhes o direito de mudar o mundo.

A história é feita de personalidades que em todos os domínios ultrapassam a mediania e se destacam aqueles que por obras valerosas se vão da lei da morte libertando”, como imortalizou Camões. Política, arte, guerra e paz, ciência ou desporto, entre outros, contribuem para a história da humanidade. E a história tem lugar para bandidos e santos, esquecendo uns e valorizando outros, muitas vezes sobrevalorizando comportamentos, atitudes e realizações.

A memória liberta-nos da espuma dos dias. Daqueles que num momento são considerados relevantes e no momento subsequente passam pelos pingos da chuva sem presença na prateleira do reconhecimento duradouro.

Nesta dimensão se enquadram muitos políticos que não conseguem alcançar a dimensão de estadistas. Disputando eleições e mesmo passando pelo poder não mostram capacidade para construir um futuro a pensar nas próximas gerações. Muitos dos que passam pelo poder hoje não se mostram capazes de vencer a dificuldade e deitam mão à verborreia e ao facilitismo. São inspirados num momento que caduca ao pôr do sol.

Em domínios como a literatura, a investigação científica, ou a arquitetura o reconhecimento público com consagração histórica é resultado de uma maturação de décadas e não consequência de meras declarações. Resulta de obra, criação, algo perdurável.

A arte da governação política exige que os seus protagonistas sejam também criadores na busca dos seus objetivos, deixando obra que ultrapasse a mera conjugação pontual de apoios, que os levam não a um olimpo temporário, mas que conduzam à realização de um propósito coletivo de futuro.