Passou quase uma década desde o início da crise financeira internacional, em 2008. A subsequente Grande Recessão está longe de estar terminada na Europa, onde os populismos têm vindo a florescer. Muito pela mão da atual liderança alemã, a estratégia das instituições europeias tem sido a de converter dívida privada em dívida pública. As referidas instituições têm forçado os Estados Membros da coesão, em dificuldades, a resgatar o respetivo sistema bancário. Indiretamente, são os bancos de Estados Membros credores – como a Alemanha, a França e outros – que estão a ser resgatados.

Em 2011, o então presidente do Banco Central Europeu (BCE), senhor Trichet, impôs à Irlanda o resgate incondicional do sistema bancário daquele país como condição para a intervenção da Troika. Pelo caminho, fez subir duas vezes as taxas de juro de referência do BCE e fez vingar a ideia de “austeridade expansionista”, “convidando” os governos a diminuírem a sua despesa e/ou o seu peso na economia e a minarem o Modelo Social Europeu. A ideia de “austeridade expansionista” conduziu mais tarde ao compacto fiscal, a joia da coroa do senhor Schäuble e do Eurogrupo por si comandado.

A afirmação de que as regras são para cumprir é uma constante do discurso das instituições europeias desta Europa intergovernamental dirigida pelo senhor Schäuble. Mas na prática, as regras são para os inimigos e os favores são para os amigos. Recentemente, a Comissão Europeia classificou os excessivos excedentes comerciais da Alemanha – os maiores do mundo, em 2016, 8,6 por cento do respetivo PIB – como um problema menor. E no entanto, estes excedentes estão na base dos desequilíbrios macroeconómicos com que o BCE ameaça agora penalizar países em dificuldades como Portugal. Os desequilíbrios das Balanças Correntes traduzem-se numa clivagem da zona euro entre Estados Membros credores e devedores, procurando o senhor Schäuble, com mais ou menos sucesso, fazer alinhar as políticas do BCE com os interesses de muitíssimo curto prazo dos credores.

Nada disto era necessário. Numa economia com moeda em crise, como a europeia, com excesso de poupanças e taxas de juro próximas de zero ou mesmo negativas, com níveis de desemprego e riscos de deflação como aqueles a que temos vindo a assistir, o conflito pelos recursos entre o setor público e o setor privado é uma ficção. A austeridade não é expansionista. No contexto, os efeitos recessivos de cortes na despesa pública (multiplicadores fiscais) não são compensados por um aumento do investimento privado e do consumo das famílias. Os investidores privados estão retraídos, endividados ou sem confiança ou perspetivas de futuro. As famílias estão assustadas, endividadas ou sem vislumbrarem ativos de baixo risco para aplicarem as suas poupanças.

Tudo isto é considerado pelas instituições europeias um equilíbrio natural. E o próprio BCE, cujas políticas têm efeitos redistributivos e cuja independência do sistema financeiro é, no mínimo, questionável, prefere colocar o quantitative easing nos bancos do que aplicá-lo na economia real, via Banco Europeu de Investimento e Fundo Europeu de Investimento, em projetos de investimento geradores de riqueza e emprego. É que ao contrário do que sucede com a Reserva Federal Americana, o emprego não faz parte das missões do BCE.

E é assim que a União Europeia caminha para o seu fim. Só uma nova liderança na Alemanha poderá alterar o atual estado das coisas.