O programa “proteccionista” de Trump está a produzir notáveis mistificações. No comentário mediático o “proteccionismo” de Trump é a nova ameaça global depois do terrorismo. E para esconjurar o “proteccionismo” vale tudo, até a invocação da história! A história terá demonstrado, segundo esses liberais, que o “livre comércio”, ao contrário do “proteccionismo” (amarrado por essa gente ao “nacionalismo”) sempre correspondeu a períodos de crescimento económico, de melhoria das condições de vida dos povos e nações. O “laissez faire, laissez passer” dos mercantilistas de Colbert e herdeiros, como chave da felicidade humana e da paz no mundo.
A complexidade e diversidade da evolução económica do mundo não permitem tal simplismo. Bem pelo contrário. Paul Bairoch, professor de História Económica da Universidade de Genebra, no ensaio “Mitos e Paradoxos da História Económica”, publicado em Portugal em 2001, põe a nu essa simplista abordagem histórica e desmonta os mitos económicos em torno do “livre comércio” versus “proteccionismo”.
Mas não é apenas a história. A realidade económica recente e presente é elucidativa da imensa fraude propalada pelos defensores do livre comércio. O livre comércio foi sempre a expressão da vantajosa relação de forças (económica, política, militar) dos países mais poderosos, impondo os seus interesses aos países mais pobres, mais frágeis, menos desenvolvidos. Impondo o livre comércio, quase sempre à força, aos países do chamado Terceiro Mundo (e especialmente aos que foram colónias), com graves consequências na sua industrialização e desenvolvimento económico. O uso pelas potências capitalistas e imperialistas da defesa do “proteccionismo” ou do “livre comércio” sempre foi de geometria variável. A tónica, em cada conjuntura histórica, é a que lhes dá jeito. Isto é, a que nesse momento defende os interesses dos seus capitalistas, das suas classes dominantes…
No quadro da aguda crise do capitalismo e das suas consequências económicas, sociais e políticas no mundo e principais potências capitalistas, assistimos agora a um questionar da tónica da “liberalização” por sectores do grande capital. E por políticos de direita e extrema-direita, que cavalgam os descontentamentos sociais, produzindo Trump, Le Pen, etc., e coisas como o Brexit. Que é também um xeque (vamos ver se não é mate) ao mercado único (liberalização do comércio intra-europeu).
E assim aparece o “proteccionismo” de Trump, nuns EUA que foram sempre muito liberais na imposição a outros das suas mercadorias e capitais, mas que nunca deixaram de proteger devidamente as suas fronteiras económicas. O Buy American Act, o Small Business Act, as multas e retaliações para as empresas multinacionais dos seus aliados da Europa, não são figuras de retórica… Ou como se Obama não tivesse começado a levantar “muros económicos” com o Tratado Transpacífico (excluindo a China de uma zona de livre comércio), com o confronto militar no mar da China meridional (uma rota comercial estratégica para a China) e restrições crescentes no interior dos EUA a investimentos chineses.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.