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Holon já faz negociações a nível mundial

Pedro Pires é o fundador da maior rede portuguesa de farmácias independentes, que fatura mais de 400 milhões de euros por ano. Agora, a próxima meta é transformar a Holon numa marca mundial.
Foto cedida
23 Novembro 2017, 07h05

A génese daquilo que é hoje a rede de farmácias Holon tem pouco mais de uma década. Pedro Pires, farmacêutico e fundador do grupo, conta que no primeiro mandato de José Sócrates como primeiro-ministro, os tempos eram de incerteza no setor. “Foram os anos da aprovação da venda de medicamentos não sujeitos a receita médica fora das farmácias, da alteração das margens de comercialização dos medicamentos, entre outras, que faziam antever um futuro difícil para as farmácias portuguesas”, explica Pires ao Jornal Económico.

Foi neste contexto adverso que decide fazer – com a esposa e um amigo de infância – uma viagem exploratória pelo mercado das farmácias, fora de portas, para perceber de que forma as alterações que se estavam a operar afetavam o setor.

“Não sabíamos exatamente se se tratava de um problema de conflito entre o setor e o Estado, ou se as alterações espelhavam efetivamente mudanças de hábitos e necessidades dos cidadãos”, diz ao Jornal Económico. Em Espanha, rumaram a Barcelona, de carro. “Fomos de farmácia em farmácia, indagando sobre a situação. Ainda antes de chegarmos a Barcelona, já tínhamos concluído que o mercado espanhol estava ‘de gatas’. E não havia José Sócrates nem lobby que explicassem a situação”, refere Pires.

“Repetimos a experiência noutros mercados e verificámos que a crise não era, afinal, uma singularidade portuguesa. Era internacional. E também averiguámos como é que as farmácias além-fronteiras estavam a reagir à adversidade”, acrescenta.

Farmácia fornecedora de serviços

Chegados aqui, começaram a identificar, no terreno, as variáveis que poderiam condicionar o sucesso de um modelo. “Independentemente do modelo de sistema de saúde – mais liberal, com seguros, ou mais intervencionado pelo Estado –, detetámos uma tendência para um modelo de farmácia onde a pessoa com doença crónica, o acompanhamento e os indicadores de saúde se sobrepunham ao marketing de venda e à venda propriamente dita. A estratégia centrava-se na venda de processos e não na venda de artigos, o que era inovador”, explica Pedro Pires, acrescentando: “No caso da prevenção, por exemplo, não há sequer venda de artigos”.

“Em Alberta, no Canadá, por exemplo, constatámos que os farmacêuticos eram pagos para não venderem nada; só para fazerem aconselhamento, quando a dispensa de um medicamento não era a melhor solução. As autoridades canadianas da Saúde apostavam forte na prevenção”, diz.

Regressaram a Portugal com duas ideias-chave: serviço e economia de escala.

“Começámos por identificar as diferentes funções e os processos de backoffice. Preocupava-nos particularmente o tempo que cada pessoa perdia com tarefas que não estavam diretamente relacionadas com o utente. Contabilizámos, por exemplo, quanto tempo se gastava, em cada farmácia, com a gestão de recursos humanos e aprovisionamento e avaliámos o custo desse tempo. Passo seguinte: libertámos as pessoas dessas funções, calculámos o custo para cada farmácia desse tempo e com o dinheiro gasto, no conjunto, contratámos profissionais qualificados para exercerem essas funções, libertando os profissionais para implementarem melhorias no modelo de serviço”, explica Pedro Pires. “Acrescentámos serviços e apoio focados no cidadão. Não se tratou de acrescentar mais produtos, mas de acrescentar valor ao serviço. Por exemplo, se a farmácia acompanhar uma pessoa com diabetes, é de todo o interesse e acrescenta valor ao serviço dispor de um nutricionista, de um enfermeiro ou de um podologista na abordagem desse mesmo utente, sempre em articulação com o farmacêutico”, realça.

A ideia era criar serviços tangíveis, mensuráveis. O conceito rapidamente evoluiu para outras áreas e hoje o universo das Farmácias Holon disponibiliza 11 serviços baseados numa lógica de soluções integradas de saúde.

Na rede Holon existem três patamares de interação que as farmácias aderentes podem ter: “A mais básica, com uma primeira matriz de backoffice, que inclui como principais serviços o aprovisionamento, a negociação e o acesso a uma plataforma de e-learning. Tudo por uma avença mensal de cerca de 400 euros.

No nível seguinte, as farmácias já têm alguma interação com o departamento de projetos e serviços e iniciam a introdução dos serviços complementares (entre a nutrição, podologia, pé diabético e dermofarmácia). Os serviços disponibilizados incluem também intervenções na comunidade, por exemplo, através de sessões de esclarecimento nas escolas.

O terceiro nível inclui todos os serviços de apoio e a adoção da marca Farmácias Holon.

“Criámos protocolos de abordagem e aconselhamento, abrangendo um número cada vez maior de áreas terapêuticas, quer associadas a medicamentos sujeitos a receita médica, quer a medicamentos não sujeitos a receita médica”, sublinha Pedro Pires. A aplicação destes protocolos é avaliada com recurso a “clientes mistério”.
Pedro Pires diz que as diferenças face ao passado são de monta. “Por exemplo, quando um utente entra na farmácia, cheio de pressa, e pede um determinado xarope para a tosse, o que fazemos é assumir que essa pessoa quer resolver o seu problema de saúde, independentemente do medicamento que já traz na ideia adquirir. Tem tosse e não quer ter. É aí que entra o farmacêutico, aconselhando, procurando saber se a tosse não é mais do que um sintoma passageiro, ou se é um efeito secundário de um medicamento para a pressão arterial, ou mesmo o primeiro sinal de uma doença respiratória ainda não diagnosticada. Temos que analisar caso a caso e aconselhar em conformidade”, explica.

Integração internacional

O passo seguinte foi arregimentar mais farmácias, cativando-as para o modelo inovador e sustentável, assente na ideia de valor acrescentado. O primeiro objetivo, de juntar 60 farmácias, foi rapidamente alcançado. Hoje, as Farmácias Holon contam com 407 estabelecimentos associados, operando sob a marca Holon. A faturação anual é superior a 400 milhões de euros e, com o crescimento, também foi necessário ajustar o número de colaboradores, que hoje se cifra em cerca de uma centena de pessoas.

Pedro Pires quer continuar a crescer e tem uma ambição: “Que a marca Farmácias Holon seja conhecida a nível mundial”.

A evolução do negócio acabaria por despertar o interesse da McKesson, multinacional de origem norte-americana líder mundial na distribuição de produtos de saúde, que adquiriu o controlo acionista do Grupo Holon, através da OCP Portugal, empresa de comercialização e distribuição de produtos para farmácia, detida pelo grupo alemão McKesson Europe e do qual a McKesson detém 75% do capital social.

“Foi, para mim, motivo de grande orgulho ter criado uma empresa do ‘zero’, num mercado que ainda hoje sofre dos efeitos da crise, e aparecer a maior empresa a nível mundial, em termos de faturação, a propor a sua aquisição, não só com base no potencial económico das Farmácias Holon, mas também pelo seu modelo de interação com o mercado, que era interessante em termos de aprendizagem para todo o grupo McKesson” afirma Pedro Pires ao Jornal Económico. “Hoje, muitas das negociações de produtos para as Farmácias Holon são feitas a nível mundial”, diz.

Como grandes desafios para o futuro, Pires diz que o maior será o de se interiorizar que a farmácia não se reduz a um espaço físico onde se vendem medicamentos. “A farmácia tem que saber enfrentar os novos desafios da era da globalização e das ferramentas que lhe estão associadas, que alteraram o modelo de relacionamento com os utentes”, defende.

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