A contestação social ao regime argelino iniciou-se há seis meses, quando o então presidente Abdelaziz Bouteflika, após 20 anos no poder, ignorando o limite de dois mandatos imposto pela Constituição, tornou público que se iria candidatar a um quinto mandato. Até hoje, a contestação não parou.
Os desenvolvimentos políticos na Argélia interessam a Portugal. Por múltiplas razões. Portugal importa da Argélia cerca de 50% do gás natural que consome. A coincidência temporal dos protestos na Argélia e no Sudão sugere comparações com os acontecimentos de 2011 na região. Interrogamo-nos se estes movimentos não poderão encorajar contestações semelhantes noutros países, nomeadamente em Marrocos, na zona de interesse estratégico nacional.
Apesar da relevância do tema, a comunicação social portuguesa tem sido muito tímida na sua abordagem. O tema é tratado como um epifenómeno algo distante, cujo desenlace não terá repercussões para Portugal. Este desinteresse é preocupante. Em contrapartida, os noticiários “abrem” frequentemente com os acontecimentos em Hong Kong, onde ocorre um fenómeno semelhante.
A revolução argelina está a revelar-se umas das experiências políticas mais interessantes no Norte de África e no mundo árabe. Dois aspetos contribuem para isso: são manifestações políticas pacíficas, sem derramamento de sangue, contra um poder autocrático, que por sua vez tem manifestado grande contenção no uso da força; são movimentações de protesto genuinamente argelinas, sem estímulos externos, não se encontrando ao serviço das dinâmicas geoestratégicas das grandes potências.
Seis meses após o início das incessantes e permanentes contestações faz sentido um balanço da situação, e perceber como cada uma das partes se tem aproximado (ou não) dos seus objetivos estratégicos.
Os contestatários obtiveram conquistas importantes. Conseguiram afastar o presidente Bouteflika e graças à sua ação este foi demovido de concorrer às eleições presidenciais, forçaram o cancelamento de duas eleições presidenciais, o regime encarcerou dois ex-ministros de Bouteflika acusando-os de corrupção, o parlamento argelino elegeu uma figura da oposição para presidente.
Por seu lado, o poder, acossado, tem gerido a sua sobrevivência adaptando-se camaleonicamente. Procura com medidas paliativas apaziguar os protestos das massas, dando a sensação que está a fazer qualquer coisa para mudar, para reformar, mas preservando o fundamental do sistema. O poder continuará a fazer cedências, sobretudo de caráter simbólico, desde que não coloquem em causa a sua existência.
Chegados a um impasse é difícil prever até onde irá o braço de ferro que opõe exigências de mudança e manutenção do statu quo. O objetivo estratégico dos contestatários – uma mudança de regime e não apenas uma mudança de atores – está longe de se concretizar. A oposição ao regime não desarma e tudo indica que a contestação vai continuar, mesmo sem ter emergido uma liderança carismática mobilizadora das massas, que una a oposição e apresente um programa político alternativo, para além da mudança de regime que todos concordam.
Uma vez que com manifestações não se vai lá, não é de excluir a agudização da contestação recorrendo a formas de luta mais drásticas. Veremos como lhes reagirão os militares. Está tudo em aberto.