A Associação Portuguesa dos Hospitais Privados (APHP) exigiu à Entidade Reguladora da Saúde (ERS) uma intervenção urgente nos preços administrativamente fixados pelo Estado para os prestadores privados e sociais, que estão congelados desde 2017, apesar de o mesmo Estado reconhecer aumentos significativos de custos no Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Numa carta, a que o Jornal Económico (JE) teve acesso, a APHP avisa que esta situação está a deformar as condições económicas e a comprometer a capacidade de resposta do sistema.
“Cada vez há menos médicos e especialidades a aceitar trabalhar com os regimes convencionados da ADSE e do SNS porque consideram que as condições não são adequadas e, para mais, com o aumento da procura, têm alternativas mais equilibradas”, diz o presidente da APHP, Óscar Gaspar, ao JE. “Este fenómeno tem vindo a acentuar-se ao longo do tempo e a situação tende a ser de não retorno”, acrescenta.
Na carta, a APHP recorda que entre 2017 e 2023 o preço base dos Grupos de Diagnóstico Homogéneo (classificação utilizada pelos hospitais para agrupar episódios de internamento ou ambulatório que exigem recursos semelhantes) usados nos contratos-programa aumentou 36,5%, passando de 2.285 euros para 3.120 euros, mas que, no mesmo período, a tabela do Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia — aplicável à contratualização externa — permaneceu inalterada, apesar de oito anos de custos crescentes.
Para o setor privado, é evidente que o Estado ajusta o que paga aos seus próprios hospitais, mas mantém estagnados os valores oferecidos quando recorre a entidades externas para os mesmos atos clínicos.
A missiva destaca também que os últimos anos foram marcados por choques sucessivos: “Em 2020 todos os prestadores foram profundamente afetados pela covid (quebra de atividade, esforço suplementar para manter cobertura, etc.), em 2022 e 2023 tiveram o impacto de uma inflação historicamente muito elevada e, mais recentemente, os sucessivos acordos de concertação social […] fizeram aumentar drasticamente a pressão sobre as despesas com pessoal”.
A APHP sublinha que todos estes fatores são reconhecidos pelo Ministério da Saúde nas contas das instituições públicas, mas continuam sem tradução nos preços pagos pela produção externa, gerando “um encarecimento unitário dos fatores da atividade” que não está refletido na contratualização com privados e setor social.
Riscos estruturais
Os efeitos fazem-se igualmente sentir nos utentes. “Os beneficiários da ADSE revelam uma insatisfação grande dado que as suas contribuições não param de crescer, porque estão automaticamente indexadas aos ordenados, mas sentem que as coberturas tendem a diminuir”, afirma Óscar Gaspar. O setor alerta que esta combinação — preços desatualizados, oferta em retração e procura crescente — está a transformar tensões operacionais em riscos estruturais.
A APHP chama ainda a atenção para o paradoxo que se instalou: o acesso aos cuidados continua aquém do previsto na lei e, ainda assim, a contratualização externa diminui, empurrada para valores que já não cobrem a estrutura real de custos.
Na carta, lê-se que “a realidade que todos, incluindo a ERS, reconhecemos é que o acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde não cumpre o previsto nos documentos legais e que, ainda assim, o recurso à contratualização externa é cada vez menos significativo”.
A associação critica o comportamento do SNS, que considera estar a usar a sua posição dominante para impor condições que reduzem a viabilidade da cooperação num contexto de listas de espera prolongadas.
É neste quadro que a APHP invoca o artigo 15.º dos Estatutos da ERS, lembrando que cabe ao regulador “pronunciar-se sobre o montante das taxas e preços de cuidados de saúde administrativamente fixados […] e zelar pelo seu cumprimento”.
A associação defende que esta competência não pode permanecer adormecida e insiste que a regulação económica é essencial ao equilíbrio do sistema, sobretudo num modelo onde a capacidade adicional dos privados é indispensável.
A mensagem final é inequívoca: manter em 2025 as tabelas de 2017 tornou-se insustentável. A APHP pede à ERS que atue e pressione o Ministério da Saúde a rever preços congelados há oito anos, sob pena de agravar ainda mais a capacidade de resposta de um sistema que já opera no limite e enfrenta um ano de procura crescente, custos elevados e maior pressão sobre profissionais e utentes.
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