Humberto Pedrosa, com 72 anos, presidente do Grupo Barraqueiro e sócio detentor de 50% da Atlantic Gateway – em parceria igualitária com David Neeleman –, responsável por 45% do capital social da TAP, não defende a renacionalização da transportadora aérea nacional.
“Isso seria dar um passo atrás”, diz. Apesar de reconhecer que esta é a “crise mais profunda” que conheceu ao longo da sua vida, admite que há soluções práticas para a TAP, que passam “prioritariamente por um financiamento no curto prazo e depois por um aumento de capital”. “Passei por quatro crises importantes e felizmente consegui ultrapassá-las, mantendo as minhas empresas. Mas esta crise é diferente de todas as outras, porque é provocada por uma guerra em que nós nem conhecemos o inimigo”, diz. O Grupo TAP apresentou prejuízos de 105,6 milhões de euros em 2019, o que representa menos 12,4 milhões de euros que as perdas de 118 milhões de euros registadas em 2018.
O maior acionista da TAP é o Estado, com 50%, detidos através da holding Parpública. E o mais pequeno são os trabalhadores, que têm 5% da transportadora aérea. A empresa avançou para o lay-off de 90% dos trabalhadores e tem a quase totalidade dos seus 105 aviões estacionados.
A nacionalização da TAP é vista como uma das soluções para a empresa, admitiu o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira. Também o ex-ministro da Economia do governo de Passos Coelho, António Pires de Lima, considerou lógica a nacionalização da TAP, se for realizada uma injeção de capital pelo Estado na transportadora aérea. E a Comissão da Trabalhadores da TAP disse que preferia que a empresa se tornasse 100% do Estado. Se o Governo avançar um pacote global com financiamento à TAP, eventualmente faseado, num montante entre 200 e 300 milhões de euros, para apoiar a transportadora aérea, a empresa deverá manter acionistas privados no seu capital?
Para já, nós pedimos ajuda, tal como fizeram todas as companhias aéreas no mundo – que têm pedido ajuda aos Governos e aos Estados onde estão sediadas. A TAP está a sofrer o que todas as outras companhias estão a sofrer. Porque a realidade é esta: a TAP precisa de ajuda. Mas não posso dar mais detalhes sobre o que está a ser preparado, além de que haverá muitas coisas de que eu próprio ainda não tive conhecimento.
Se a TAP tivesse uma gestão estatal seria mais forte?
O problema da TAP não é de gestão. O problema que enfrenta é verdadeiramente um tsunami mundial que apareceu e atingiu todas as empresas e, em especial, as companhias de aviação que estão quase todas paradas a nível mundial, com exceção de alguns casos pontuais, por razões específicas. Além dos problemas gerais que as companhias terão de avaliar numa fase posterior – ainda é muito cedo para fazerem isso, porque a crise desta pandemia ainda não está controlada –, há um remédio imediato que é a entrada de fundos para fazer face à necessidade de tesouraria, porque as companhias de aviação não têm receitas. É claro que têm algumas ferramentas para utilizar, como o lay-off que vem dar alguma ajuda, mas há outros custos com compromissos que têm de honrar e, por isso, precisam que entre dinheiro em caixa. Se olharmos para o que está a acontecer em outros países, todos os Estados têm mostrado disponibilidade para ajudar e alguns deles até já avançaram com apoios às companhias aéreas.
Itália já anunciou que ia renacionalizar a Alitália…
Sim, mas a Alitália é um caso muito especial. Porque já estava falida. Não é igual à situação da TAP, que tem crescido bastante nos últimos anos, e que tem um bom projeto de operação. Penso que estaria a caminho de bons resultados dentro de pouco tempo. Agora, aparece este tsunami que veio dar cabo das projeções de todas as empresas. Há necessidade de financiamento no curto prazo. E há necessidade de uma ajuda e essa ajuda tem de vir do Estado, como tem acontecido com as outras empresas de aviação, em que os Estados têm-se manifestado com disponibilidade para ajudar.
A Comissão Europeia já admitiu a possibilidade de ajudas públicas. Em Portugal há muitas pessoas que defendem que se a ajuda pública for concedida, a TAP deveria ser objeto de uma renacionalização. O Estado colocava dinheiro da companhia e supria as necessidades que a TAP atualmente tem, mas ficava com 100% do capital. Concorda com isso?
Não acredito que isso possa acontecer. Seria dar um passo atrás. Penso que o contributo dos acionistas privados na TAP tem sido muito positivo, sobretudo na modernização da empresa e na renovação da sua frota de aviões. Podemos ver que durante os últimos anos, desde a privatização, a companhia registou uma evolução qualitativa na oferta de transporte. Se virmos o que a TAP era antes de privatização e compararmos com o que a empresa é hoje, o que desenvolveu, as novas rotas, os novos aviões de que dispõe e a quantidade de passageiros que passou a transportar, torna-se inegável que a TAP mudou da noite para o dia. Só por isso, vale a pena ter parceiros privados na TAP.
De quanto é que a empresa precisa para compensar a situação em que se encontra?
Neste momento, a TAP tem dinheiro em caixa. E, provavelmente, comparando-a com outras companhias europeias, a TAP está no grupo das companhias que mantêm uma situação de caixa satisfatória. É claro que neste momento não tem receitas e por isso vai precisar de reforço de capitais. Numa primeira fase, penso que um financiamento para a TAP seria suficiente. O principal problema é que estamos perante uma crise em que desconhecemos a dimensão final e o tempo que vai demorar. Se for passageira, isto é, se dentro de dois meses as coisas começarem a normalizar, é uma coisa. Agora, se a crise se arrastar por quatro ou cinco meses, será outra. Como digo, para já, temos ferramentas, aquelas que estamos a utilizar. Há o lay-off que vamos aplicar. Isso vai baixar alguns custos à companhia. É claro que os aviões da TAP não estão a voar, portanto também não gastam combustível. Mas há outros compromissos que a companhia tem e que precisa de pagar.
Mas qual seria o montante desejável para colocar na TAP?
Neste momento apenas aguardamos resposta ao pedido de ajuda que fizemos. Estamos a analisar as contas, semana a semana, para vermos o montante que é necessário à tesouraria. Mas não estamos a falar em “bi’s”.
Na hipótese do posterior aumento de capital, estaria disponível para acorrer a essa operação?
É uma situação que tem de ser analisada. Claro que eu estou com a TAP. E a TAP neste momento precisa dos acionistas. Precisa da união dos acionistas e precisa da união de todos os colaboradores. Sinto que todos os colaboradores compreendem a situação e estão ansiosos para que se consiga ultrapassar esta fase. Mas, realmente, tudo depende é da dimensão da crise. Há várias hipóteses. Nesta primeira fase, penso que o financiamento seria o desejável para podermos estar tranquilos durante os próximos meses. E se o futuro da TAP passar por um aumento de capital, nós cá estaremos todos para analisar.
E quanto à dimensão futura da empresa? Atualmente a TAP tem uma frota de 105 aviões. Será possível manter esses 105 aviões?
O mundo mudou. E vai mudar principalmente no transporte aéreo, que demorará algum tempo a recuperar de todas estas alterações. Vai ser necessário recuperar a confiança para o lazer, para restabelecer hábitos de férias, e tudo isso demora algum tempo. Depois se verá.
As rotas que a TAP tinha para áreas geográficas como o Brasil, os EUA e África terão de ser repensadas?
Com certeza que será tudo repensado. A intenção da TAP é voltar a ter uma operação comparável à que tinha, adaptada às novas realidades. Mas, depois, também quererá voltar a crescer.
Esse será um objetivo de médio ou longo prazo? Eventualmente, a mais de cinco anos…
Tudo isso vai depender bastante do tempo que demore a passar a crise. Mas vamos estar prontos, na hora certa, para podermos iniciar as operações.
Quando é que calcula que a TAP poderá retomar a atividade? Em junho ou julho?
Depende da dimensão e duração da crise. Não sabemos. Ninguém sabe. Da minha parte, a única coisa que peço é a união entre todos os trabalhadores da TAP, entre todos os acionistas e entre todos os administradores. Isso é extremamente importante para vencermos esta crise. E também será preciso restabelecer a confiança e a esperança. Eu já passei por algumas crises no meu percurso de gestor e empresário. Esta é uma crise diferente, em relação à qual ninguém pensaria que ia afetar o mundo inteiro, colocando as contas públicas de todos os países numa situação muito difícil. É uma crise muito grave.
Vamos ver como conseguiremos resolver tudo. Será necessário tempo para ultrapassar tudo isto. Não é só a TAP a ser afetada. É a TAP e todas as empresas. A economia mundial vai sofrer muito com esta situação.
Notícia publicada na edição semanal do Jornal Económico de 3 de abril
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