Em meados da década de 80 Sting lançou uma música que marcou a minha geração: “I hope the Russians love their children too”. O pressuposto era que a ameaça de destruição mútua via guerra nuclear, entre o Ocidente e os países da cortina de ferro, só não passaria de uma ameaça se os russos, tal como supostamente os ocidentais, quisessem garantir um futuro para os seus filhos.
Na guerra que estamos a assistir em direto, a questão que se coloca é um bocadinho diferente, mas ainda assim toca na ideia de valores partilhados. Já não só a vontade de preservar o mundo para as gerações futuras, mas valores económicos e materiais.
A globalização das últimas décadas, com a consequente partilha de interesses comerciais e financeiros por parceiros improváveis, tornou difícil imaginar um mundo em que um desses parceiros fica completamente isolado.
Vejamos: a Alemanha e a Holanda juntas representam, para os russos e em termos de comércio internacional, mais do que a China (seu principal parceiro comercial). Em conjunto, estes dois países europeus absorvem quase 50% das exportações russas. Em contrapartida, cerca de 40% das importações da Rússia vêm precisamente desses mercados.
Os interesses financeiros, bolsistas, de mercados de capitais e até imobiliários, de muitos dos russos, passam por uma relação muito estreita e bem alimentada com a Europa.
É certo que se acredita que Putin se ande a preparar para esta situação há alguns anos, e que terá constituído reservas que lhe permitam manter o país à tona e sem grandes problemas para a população, durante um relativamente longo período de tempo. Com uma dívida pública de apenas 19% do PIB, por exemplo, a impossibilidade de acesso a mercados internacionais e de colocação de dívida não será, pelo menos no curto e médio prazo, um problema.
Mas com o passar do tempo, o endurecer da guerra, as dificuldades encontradas no terreno e, sobretudo, uma unanimidade nunca antes vista – com as neutrais Suíça e Suécia a manifestarem-se de forma clara – contra a posição russa, as reservas que possam ter sido constituídas podem não ser suficientes. Mais, podemos começar a assistir a uma pressão vinda de alguns poderosos russos, para os quais a exclusão do seu capital e das suas empresas do mercado global, rapidamente se converta num problema.
O Ocidente, por sua vez, depende também (e muito) da Rússia. Mais uns que outros é certo. Por exemplo, a Alemanha muito mais do que Portugal. Mas como Portugal depende muito da Alemanha e impactos fortes na economia alemã rapidamente se farão sentir em Portugal. Isto significa que as sanções, as diversas restrições económicas e o fechar de fronteiras comerciais e financeiras também terão um impacto brutal na economia europeia.
Para já, este facto não tem impedido o Ocidente de ser duro e de marcar claramente uma posição. Mas durante quanto tempo? A indústria alemã já está a sentir o impacto com perdas enormes em pouco tempo. Quanto mais se vai aguentar antes de haver pressões para que se amenize a tensão?
Ou seja, como quase tudo no nosso mundo, hoje em dia, parece que vai ser a economia que vai obrigar a encontrar uma solução ou, pelo menos, vai ser pela economia que se vai criar uma predisposição real para a negociação. Assim, e voltando a Sting: “I hope the Russians love their economy too”.