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IA: vice-presidente norte-americano insiste na desregulamentação

Excesso de regulamentação pode ‘matar’ a Inteligência Artificial (IA), enquanto a EU considera que os consumidores e a concorrência obrigam a uma atenção especial às leis. Mesmo assim, Ursula von der Leyen prometeu rever a legislação.
epa11839122 President-elect Donald Trump (R) and Vice President-elect JD Vance (L) sit before the U.S. Capitol for the inauguration of US President-elect Donald Trump in Washington, DC, USA, 20 January 2025. Trump will be sworn in for a second term as president of the United States on 20 January. Trump, who defeated Harris in the 2024 general election, is being sworn in on 20 January 2025 as the 47th president of the United States, though the planned outdoor ceremonies and events have been cancelled due to a forecast of extreme cold temperatures. EPA/JULIA DEMAREE NIKHINSON / POOL
12 Fevereiro 2025, 07h00

O vice-presidente dos Estados Unidos, JD Vance, disse que a regulamentação “maciça” sobre Inteligência Artificial (IA) pode estrangular a tecnologia e rejeitou a moderação de conteúdo como “censura autoritária.” Já desde segunda-feira que tinha ficado clara a diferença – que para alguns é abissal – entre as posições da Europa (mas nem toda) e os Estados Unidos. E essa diferença ficou bem explícita pelo facto de os Estados Unidos e a Grã-Bretanha não terem assinado a declaração final da cimeira de IA organizada pela França.

Para os anfitriões – que vão gerir um fundo de investimento internacional de 109 mil milhões – a IA deve ser “inclusiva, aberta, ética e segura.” Mas os Estados Unidos e os seus tradicionais seguidores na Europa, o Reino Unido, têm uma visão diferente: a regulação pode estrangular a investigação.

A perceção em relação à IA mudou à medida que a tecnologia se enraíza e, se inicialmente havia preocupações de segurança que lhe estavam associadas, agora a ideia que fica é que a IA pode ser usada como um complemento bélico (ou mesmo mais que isso) e que passou a ser uma ferramenta na competição geopolítica.

Estabelecendo a agenda America First do governo Trump, Vance disse, citado por vários jornais, que os Estados Unidos pretendem continuar a ser a força dominante na IA e que se opõem fortemente à abordagem regulatória muito mais rígida da União Europeia. “Acreditamos que a regulamentação excessiva do setor pode matar uma indústria transformadora,” disse Vance na cimeira, perante CEO’s e chefes de Estado em Paris. “Acreditamos fortemente que a IA deve permanecer livre de preconceitos ideológicos e que a IA americana não será cooptada para uma ferramenta de censura autoritária.”

Vance criticou os “regulamentos maciços” criados pela Lei de Serviços Digitais da UE, bem como as regras de privacidade online da Europa, conhecidas pela sigla GDPR, que disse significar custos infinitos de conformidade legal para empresas menores. “É claro que queremos garantir que a internet seja um lugar seguro, mas uma coisa é impedir que um predador ataque uma criança na internet, outra bem diferente é impedir que um homem ou mulher adulto aceda a uma opinião que o governo acha que é desinformação,” disse.

A União Europeia aprovou, no ano passado, a Lei de IA do bloco, o primeiro conjunto abrangente de regras para reger a tecnologia – no que, aliás, foram pioneiros no mundo.

Na sua intervenção, Vance também apontou para a China – numa altura em que o aparecimento súbito da startup chinesa DeepSeek (que distribuiu gratuitamente um poderoso modelo de raciocínio de IA) baralhou as certezas sobre a liderança dos Estados Unidos, para além de ter provocado uma hecatombe das tecnológicas no mercado de capitais. A designer norte-americana de chips Nvidia, líder do mercado em que atua, perdeu 17% apenas numa sessão. “De CFTV a equipamentos 5G, estamos todos familiarizados com a tecnologia barata disponível no mercado, que foi fortemente subsidiada e exportada por regimes autoritários,” disse Vance. Mas “fazer parceria com eles significa acorrentar uma nação a um líder autoritário que quer infiltrar-se, escavar e apreender a infraestrutura de informação,” acrescentou.

Vance não mencionou o DeepSeek pelo nome, mas o recado não podia ser mais claro: os Estados Unidos olharão como uma espécie de traição para qualquer entendimento entre a União e a China em termos de IA. O assunto já não é novo: há pouco mais de um par de anos, várias empresas chinesas estavam bem posicionadas para liderar a disseminação do 5G na Europa quando surgiu um ‘conselho’ dos Estados Unidos segundo o qual isso seria um erro. Mais uma vez, o Reino Unido apressou-se a cumprir a ‘ordem’ emanada de Washington – com vários operadores de diversos países europeus (entre os quais Portugal e a Altice) a tomarem a mesma decisão. Recorde-se que na altura o presidente norte-americano chamava-se Joe Biden e não Donald Trump.

Segundo os peritos, não há evidências de que as informações possam fluir sub-repticiamente através da tecnologia da startup para o governo da China, e o código subjacente está disponível gratuitamente para uso e visualização. No entanto, algumas organizações governamentais já proibiram o uso do DeepSeek.

Pouco simpaticamente, Vance saiu logo após a sua intervenção, pelo que não teve oportunidade de ouvir a líder da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que falou logo a seguir, ou o anfitrião, Emmanuel Macron, que fez o discurso de encerramento. Mais tarde, Vance reuniu-se separadamente com cada um deles – o que quer dizer que não saiu por questões de agenda, mas sim por outra razão qualquer.

Macron disse na cúpula que era a favor da redução da burocracia, mas enfatizou que a regulamentação era necessária para garantir a confiança na IA, ou acabaria rejeitada. “Precisamos de uma IA confiável,” disse. Mas Von der Leyen também afirmou que a UE reduziria a burocracia e investiria mais em IA.

O vice-primeiro-ministro chinês, Zhang Guoqing, disse na cimeira que a China está disposta a trabalhar com outros países para salvaguardar a segurança e partilhar conquistas no campo da IA para construir “uma comunidade com um futuro partilhado para a humanidade.”

A prova de que os dois blocos partem numa corrida separada na IA é que os Estados Unidos e o Reino Unido não assinaram a declaração final da cimeira – mas não explicaram, pelo menos oficialmente, porque tomaram essa decisão. Pelo menos 60 países, incluindo a China, assinaram o documento. Uma fonte do governo britânico, citada por alguns jornais, dizia que o país assumia preocupações sobre parte da linguagem que a Grã-Bretanha não poderia mudar e disse que a abordagem acordada na cimeira de Paris era “bem diferente” da primeira cimeira de segurança de IA, que foi organizada pela Grã-Bretanha em 2023.

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