“Os mais velhos não querem aprender” ou “Os mais jovens não querem compromissos”, são rótulos comuns, e têm consequências particulares no mundo do trabalho, não só porque as pessoas de diferentes idades têm de interagir e criar valor juntas, mas também porque há trabalhadores mais velhos com vontade de aprender e manter-se relevantes, assim como trabalhadores mais jovens que aguentam as maiores intempéries.

A conjuntura socioeconómica leva a desafios específicos: por um lado, o envelhecimento da força de trabalho (que em Portugal é gritante, com a estimativa de um terço da população vir a ter 65 ou mais anos em 2050) tem chamado a atenção para a importância de prolongar a participação dos mais velhos no mercado de trabalho, embora aumente a precariedade dos mais jovens. Por outro lado, estratégias de redução de desemprego jovem levam a que os mais velhos se sintam ameaçados. Não havendo uma receita única para gerir uma força de trabalho multigeracional, há que antecipar um menu que contemple a forma como diferentes grupos etários se percecionam entre si, e desconstruir rótulos idadistas.

O que é o idadismo?

Rótulos como os acima fazem parte do idadismo. Trocado por miúdos (e graúdos!), é o processo psicológico de categorizar pessoas em grupos com base na sua idade biológica ou aparência, e atribuir-lhes significados e expectativas sociais. Categorizar é bastante útil para, qual detetives, inferirmos facilmente um conjunto de características, mas nem sempre as coisas são tão elementares como para um Sherlock Holmes.

Quando se rotula uma pessoa de “jovem” ou “velha” com base em pistas sobre a idade, geram-se automaticamente pressupostos acerca das suas características e capacidades. E por mais que se tenha demonstrado que, por exemplo, os trabalhadores mais velhos não são mais resistentes à mudança, ou menos saudáveis, esses estereótipos continuam a entranhar-se. E dos estereótipos (pensamentos, crenças) ao preconceito (sentimentos), levando até a tratamento discriminatório, é uma via rápida. Até os estereótipos positivos podem levar a enviesamentos, como por exemplo associar-se velho a gentil mas também incapaz, e, com isso, ter comportamentos condescendentes e degradantes, mesmo sem dar conta.

Se muitas vezes associamos o idadismo aos mais velhos, os mais novos também lidam com rótulos, pois ambos saem a perder na comparação com quem está no meio em termos de idade e estatuto social, de tal forma que o conceito é separado recentemente entre “jovenismo” e “velhismo”.

O que sabemos sobre o idadismo no local  de trabalho em Portugal?

Em geral, o “velhismo” laboral está associado a uma menor probabilidade de se ser chamado para entrevistas, receber formação, ou ter uma avaliação de desempenho positiva, enquanto que o “jovenismo” está associado a menor probabilidade de promoção, permanecer em caso de lay-offs, ou ver a sua competência mais posta em causa quando em chefia de mais velhos.

De acordo com um estudo de que fizemos parte (“Compreender o idadismo no local de trabalho” na Fundação Francisco Manuel dos Santos), com uma amostra representativa de mais de 1000 trabalhadores em Portugal, embora os níveis gerais de discriminação sejam relativamente baixos, análises detalhadas mostram que 33,5% relataram discriminação etária moderada a alta. Os trabalhadores mais jovens foram os mais afetados, com 42,3% relatando discriminação moderada ou alta.

 

 

Perceber-se discriminado/a no trabalho tem consequências graves até para a saúde pública: o stresse de ser tratado negativamente por algo incontrolável instiga tristeza, raiva, desmotivação, aumento do consumo de álcool e tabaco, e problemas de sono, entre outros. Quem detém atitudes idadistas também sofre, com mais conflitos com os outros e pior saúde mental. Nos EUA, o custo económico do “velhismo” é estimado em 63 biliões de dólares anuais, pois agrava problemas de saúde como doenças cardiovasculares e perturbações mentais.

A discriminação etária advém de estereótipos específicos, que importa compreender, sobretudo quando são prescritivos: ou seja, quando é esperado que devam ser/comportar-se de determinada forma.

No “velhismo prescritivo” espera-se que os mais velhos se afastem para dar lugar aos mais jovens, levando a menor envolvimento e produtividade destes. No “jovenismo prescritivo” espera-se que os mais jovens respeitem a hierarquia e aceitem um estatuto inferior, causando perceções de injustiça e intenção de sair da organização. Mesmo prescrições mais positivas, como esperar vitalidade e inovação dos mais jovens, ou a sua lealdade à organização, podem ser prejudiciais devido à pressão de corresponder a expectativas inflacionadas.

Caminhos para a ação

No retrato do idadismo, de facto ninguém fica bem. Mas construir relações interpessoais no trabalho que aumentem o bem-estar de todos é possível e vital.

A começar pelas organizações, sabemos que trabalhar numa cultura organizacional mais flexível e moderna dá menos azo ao idadismo. Estas devem também criar condições para interações significativas entre trabalhadores de várias idades, pois a qualidade do contacto intergeracional é mais importante do que a sua frequência, e tal pode ser conseguido através de programas de mentoria e mentoria-reversa que promovam transferência de conhecimento e respeito mútuo.

As políticas organizacionais devem garantir igualdade de oportunidades na seleção, promoção e formação, independentemente da idade, com os departamentos de RH sendo cruciais na sua implementação. Além disso, é essencial promover uma cultura inclusiva que valorize as contribuições de todos, com formações sobre estereótipos acompanhadas por planos de ação e verdadeiro compromisso. Envolver todos na tomada de decisão, oferecer flexibilidade e oportunidades de formação contínua são outras medidas importantes para reduzir tensões intergeracionais.

O futuro do trabalho em equipas multigeracionais trará desafios que precisam ser antecipados. Em alguns setores tais como o entretenimento, o “velhismo” é mais evidente. Já na tecnologia, há constrangimentos para ambos os lados: o estereótipo de que os mais velhos resistem à mudança pode afetar a perceção sobre sua adaptação a novas ferramentas, enquanto a expectativa de que os mais jovens sejam sagazes com tecnologia pode prejudicar aqueles que não confirmem esse estereótipo.

As mudanças no trabalho e as alterações demográficas em Portugal destacam a urgência de abordar o idadismo laboral. Promover interações intergeracionais significativas e desafiar estereótipos pode fomentar uma cultura que valorize as contribuições únicas de cada indivíduo. Combater o idadismo no trabalho é vital para criar um ambiente inclusivo, melhorar o bem-estar dos funcionários de todas as idades, promover a saúde pública, aumentar a produtividade organizacional e contribuir para a prosperidade de Portugal.

As autoras do ensaio “Compreender o idadismo no local de trabalho”, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, também assinam este artigo na qualidade de Investigadora integrada do CIS-Iscte – Centro de Investigação e Intervenção Social e Professora convidada do Iscte-Instituto Universitário de Lisboa, e membro associado do CIS-Iscte.