Vivia longe de Lisboa. Madrugava para apanhar o comboio. Sempre pontual. Integrava um dos grupos de projeto da disciplina de gestão na licenciatura de Cinema. A ideia para o projeto foi dele, assim como os principais contributos. Era generoso. A suas expensas mandou traduzir para português um dos livros da disciplina. Depois colocou a tradução à disposição dos seus jovens colegas que, como ele, não dominassem o inglês.

A sua vida profissional fora no Exército como projecionista de filmes. Desde sempre quisera estudar cinema. Estava a cumprir o sonho de uma vida. Homem simples, bom estudante. Foi há dez anos. Tinha então 84 anos de idade.

Não tive mais notícias dele, mas recordo muitas vezes o exemplo de determinação e de disciplina deste homem velho mas robusto, que acumulava experiência com a energia de um jovem. Com o avançar da idade perde-se energia física e a rapidez cognitiva é inferior à dos mais novos, mas ele estava ao nível dos colegas com menos quase 70 anos.

Os mais velhos preservam ou desenvolvem valiosas características comportamentais. Faltam menos ao emprego, são mais disciplinados, cometem menos erros, estão mais disponíveis para ajudar que os mais novos. Estes traços positivos estão a ser aproveitados por algumas empresas, como a BMW ou os supermercados ASDA no Reino Unido que constituíram equipas multigeracionais. Embora cumpram horários reduzidos, os mais velhos dispõem de outros atributos como conhecimento tácito, por exemplo, sobre a história da empresa, o negócio, as pessoas.

Repare-se que, ao contrário do mito da garagem na casa dos pais, a maior parte das startups são lançadas por pessoas com mais de 40 anos e as que têm mais sucesso por pessoas com mais de 50.

Hoje sabe-se um pouco mais sobre o funcionamento do cérebro. Uma descoberta fundamental foi sobre a capacidade de renovação de neurónios que, sabe-se agora, decorre ao longo de toda a vida. Mas, tal como os músculos que começam as degenerar logo aos 30 anos, os circuitos neuronais precisam de ser utilizados para combater a inevitável degenerescência. A massa cinzenta precisa de ser excitada para preservar vitalidade. Além disso, descobriu-se que haverá uma relação positiva direta entre o exercício físico e a memória.

Todos os anos tem aumentado a longevidade dos portugueses, embora em alguns países avançados tenha estagnado ou até mesmo regredido. Muitas pessoas são hoje capazes de trabalhar mais anos e muitos desejariam manter-se ativos, embora trabalhando menos horas, o que corresponderia a menor salário. Entrariam numa reforma parcial. A muitas vezes difícil quebra abrupta da vida ativa para a vida inativa poderia ser suavizada com vantagem para os próprios e para as empresas que continuariam a aproveitar a experiência e conhecimento dessas pessoas.

A perceção da idade de si mesmo tem vindo a modificar-se. Segundo um estudo da Michigan State University, as pessoas têm tendência para dizer que se sentem mais novas do que realmente são, em particular as mais velhas, um sentimento que aparentemente tem reflexo numa vida mais saudável e mais longa.

O estudo, que envolveu 500 mil pessoas, indica que as pessoas dizem sentir-se cerca  de 20% mais novas do que são, e a partir dos 50 muitos dizem sentir-se dez anos mais novos.  O facto de se viver mais anos altera a forma como olhamos para a velhice e como nos vemos a nós mesmos conforme ficamos mais velhos. Outros estudos referem que haverá vantagem em muito simplesmente reconhecer a idade que se tem.

A perceção da idade é também uma construção social influenciada por vários fatores, desde logo económicos. Alguns estudos revelam que há pessoas que consideram que a meia-idade começa aos 30 anos, refletindo a perceção negativa que as últimas etapas da vida suscitam.

Ao contrário do que se pensava, um estudo de 2009 de 26 culturas em todo o mundo, que incluiu Portugal, revelou que não há uma acentuada dicotomia cultural entre o Ocidente, que seria “youth oriented”, e o Oriente, em que haverá mais respeito pelos mais velhos. As diferenças que existem resultarão de fatores sociodemográficos relacionados com a estrutura das populações e não com a cultura.

Em Portugal é precisa uma nova prática social e legal de encarar os anos de vida que se seguem à reforma, a idade oficial em que se é carimbado como “idoso”. É precisa uma nova linguagem que reflita a nova demografia em que os novos velhos são cada vez mais numerosos e ativos durante mais anos – para alguns, até ao desencadear do Alzheimer.

Quanto a mim, a palavra idoso deve ser banida do léxico. Porque idoso é asqueroso, perdoem-me esta outra desagradável palavra. A expressão mais velho é muito mais adequada porque abrange pessoas de muitas idades e de muitas e diversas capacidades físicas e cognitivas sem que haja a criação do estigma de pessoa obsoleta sugerido pela palavra idoso, que é aplicada por defeito a qualquer pessoa com mais de 65 anos.

Uma pessoa com 65 anos é “idoso” quando comparado com uma de 95? São “apenas” 30 anos de diferença. Uma pessoa com 30 anos é “idoso’ relativamente a um recém-nascido? O uso indiscriminado desse palavrão é discriminatório. Em inglês “older” é preferido a “elderly”. Os espanhóis são mais simpáticos. Dizem “mayor de edad”. Nós devemos dizer e escrever mais velho.