A coisa parecia ter consistência: em mais de 40 anos, PS e PCP tinham acumulado uma história comum de desencontros, de desentendimentos, de picardias e até mesmo de algumas selvajarias, com as palavras entre ambos a soarem sempre como pedradas ou trincadelas. Terá sido por isso que a oposição do PSD e do CDS, nos tempos em que ainda nem acreditava que era oposição, se acantonou no discurso de que aquilo – a geringonça, como alguém sem graça lhe chamou – não ia resultar.
Dois orçamentos do Estado depois, a oposição, que entretanto se acostumou a ser oposição – mas ainda se queixa de ter ganho as eleições e de o destino, malvado, lhe ter trocado as contas – ainda não se fartou do vitupério: eles não vão conseguir entender-se, dizem. A todo o momento, o mesmo susto: seja por causa da TSU, da Caixa Geral de Depósitos, do Novo Banco, do aumento do preço da sardinha por alturas das festas populares ou porque um dia 13 calha a uma sexta-feira, a oposição esgrime, mais uma vez, o argumento de que PS, PCP e Bloco não se entendem.
E os dias lá vão passando, as crises, melhor ou pior, lá se vão resolvendo, lá vão aparecendo umas crises novas – e o argumento lá vem outra vez: eles não se entendem, nem sequer têm um acordo escrito, mensurável, que possa ser escrutinado pelos portugueses. Uma balbúrdia anarquista no mundo civilizado da Europa – o mundo por excelência dos acordos de cavalheiros e outros democratas – que desgraçadamente caiu sobre as cabeças pouco esclarecidas do portugueses. Que, recorde-se, quiseram oferecer uma nova maioria ao PSD, maioria essa maldosamente sonegada ao arrepio das urnas e da decência política, dizem eles.
A estratégia política do PSD e do CDS com base no “fujam, que eles vão pegar-se à porrada” está, essa sim, a chegar ao fim do seu prazo de validade. Ou antes, já chegou: as sondagens mais recentes mostram que o PS está a subir em intenções de voto e que o PSD está a descer numa proporção quase idêntica. Pelos vistos, o eleitorado está um bocado farto da promessa nunca cumprida de aquela espécie de casamento contranatural (diziam eles) ia acabar em pancadaria.
O passo seguinte desta estratégia, que continua acantonada no mesmo sítio, já foi dado: com o PS a subir nas sondagens, dizem eles, só falta a expectativa de uma possível maioria – ou, melhor ainda, de maioria absoluta – para António Costa criar uma crise entre todos, para se livrar de tão perigosa e desinteressante companhia. E, por certo, para depois ir outra vez a correr para o centrão, onde uma vez mais o PSD (com o CDS escondido num canto qualquer) lá estará à espera de uma proposta de casamento, que aceitará depois de fazer de caro durante um bocadinho.
António Costa não parece ser desses. Não parece estar muito interessado em substituir o PCP e o Bloco pelo CDS e pelo PSD. Entre muitas outras razões, porque foi este centrão profundamente cretino, profundamente ligado aos interesses mais sórdidos e aos bandidos mais desprezíveis, que atirou a União Europeia para o lodaçal onde tem estado a derrapar desde pelo menos 2008.
Enquanto isso, imagine-se, o caso do entendimento entre PS e PCP já foi considerado suficientemente interessante para ser usado como case study em algumas faculdades de renome inquestionável – que estão interessadas em perceber até que ponto uma aliança democrática mas improvável pode vir a ser um caminho novo para as entristecidas sociedades europeias. Esperemos, portanto, que António Costa resista às forças centrípetas que o querem igualzinho aos outros. É que, para iguaizinhos, já temos muitos.