Por leviandade política e pelo crescente domínio de abordagens feministas nas ciências sociais, perpetuou-se durante anos a teoria de que os países nórdicos nos dariam a melhor solução para o declínio da natalidade. Diziam-nos que países como a Suécia e a Finlândia estariam a apresentar tendências animadoras de natalidade pelos supostos equilíbrios familiares igualitários e pela suposta aceitação geral de valores feministas.
Apesar de tal teoria assentar em pressupostos frágeis e questionáveis, todo o debate político, da esquerda à direita, acorreu a replicar ou a tentar aproximar-se dessa tal proposta natalista que recomenda incentivos à plena paridade sexual via incentivos estatais, tais como o alargamento de licenças parentais (paritárias), o pleno direito a creches gratuitas ou a generosa atribuição de abonos de família.
Os defensores desta teoria crêem que a promoção de atitudes igualitárias na sociedade é a única forma aceitável de persuadir a mulher a ser mãe. A maternidade é assumida meramente como uma despesa económica que recai sobre o casal, colidindo com o modelo familiar vigente, no qual ambos os membros trabalham igualmente fora de casa.
Devíamos então pôr em marcha uma réplica destes modelos em Portugal? A realidade demonstra o contrário. A igualdade sexual não se correlaciona positivamente com a estabilidade conjugal, nem com a eficiência doméstica, muito menos com o aumento da natalidade – Suécia, Noruega e Finlândia apresentam agora um forte decréscimo de formação familiar, tanto em termos de casamentos como de coabitação, e apresentam também um alarmante declínio da natalidade de mulheres da faixa entre os 35 e os 39. Transformações colossais que levarão décadas a reverter.
A realidade revela-se incómoda para quem acreditava ser possível conciliar “revolução de género” e renovação geracional. Em vez de promover a maternidade, o feminismo revela-se como contraceptivo. É literalmente um contraceptivo, dado que as mulheres sacrificam os seus melhores anos de maternidade em troca de promessas de estatuto profissional e respectivas recompensas salarias (que levam anos a consolidar).
E as consequências são igualmente penalizadoras para os homens, especialmente os de baixa escolaridade – na Finlândia, perto de 40% dos homens com baixa escolaridade, aos 45 anos, não têm filhos, e a maioria nem sequer tem mulher.
Todos os lemas modernos que são repetidos coloquialmente a respeito da família e do amor vão no sentido de acomodar um ideal de vida assente na máxima liberdade individual, na busca constante de felicidade, na fluidez dos vínculos familiares, e na supressão dos antigos paradigmas de feminilidade e de masculinidade.
Qualquer discussão é rematada com os mesmos lugares-comuns: “nenhum casamento tem de durar para sempre”, “o lugar da mulher é onde ela quiser”, “a ideia de família natural é uma coisa do passado”, “ainda és muito novo… vivemos cada vez mais tempo”, “já não temos de aturar as coisas que as nossas avós aturavam”.
Comentários como estes espelham uma mentalidade moderna que procura dividir o tempo histórico entre um passado de trevas patriarcal, limitado a sacrifícios infinitos e provincianismo pouco ambicioso e, pelo contrário, um presente de gente esclarecida, dinâmica e autossuficiente que vive para acumular experiências individuais. Esta divisão, para além de ser uma desonesta e sobranceira interpretação do passado, revela necessidade de legitimar a superioridade das escolhas pós-modernas, apesar de tais escolhas gerarem tantas vezes solidão, atritos constantes, ressentimentos e, a longo prazo, a própria extinção.
Então, a pergunta do século mantém-se: o que incentiva a natalidade? Não é fácil decisores políticos inventarem soluções mágicas e rápidas por via administrativa depois da família ter esquecido as suas finalidades primordiais. Contudo, podemos meditar nalguns elementos fundamentais que sempre motivaram a reprodução e que garantiram a renovação de gerações.
Primeiro, a consciência da finitude da vida e da escassez de oportunidades. As gerações que sentem de forma mais vívida a sua finitude tendem a aplicar a sua energia em actividades de valor e esforçam-se por deixar legado. Ao perceber que tudo é transitório e que a sua existência não é o centro do mundo, o homem consegue escapar melhor ao narcisismo e à anestesia que o “admirável mundo novo” lhe quer injectar. Liberta-se mais facilmente das distracções passageiras, como a obsessão servil pelo trabalho, e orienta a vida para alvos elevados e duradouros.
Segundo, amar a família acima de todas as coisas terrenas e respeitar compromissos. É na família que nos realizamos primeiro enquanto seres sociais e que encontramos refúgio, cumplicidade e segurança em diferentes fases da vida. Apesar de ser cada vez mais rara, a união indissolúvel foi uma instituição consagrada e protegida durante séculos por boas razões, não para satisfazer meros caprichos religiosos ou para dividir a sociedade entre exploradores e explorados. Serviu para permitir missões conjuntas de sobrevivência entre seres humanos falíveis e vulneráveis. Acima de tudo, serviu para responsabilizar ambas as partes na tarefa mais delicada e séria de uma sociedade, a educação das crianças.
E esta ideia leva-nos finalmente, a um terceiro ponto: a consciência da insuficiência feminina e masculina na sua individualidade. As sociedades contemporâneas, para superarem as contingências dos sexos, habituaram-se a procurar alívio rápido das dificuldades, das relações de dependência familiares e dos riscos em geral, junto do Estado ou, mais recentemente, por meio do transumanismo.
Porém, é necessário recuperar uma visão essencialista da vida, pois a vocação heróica do homem e o amor devocional da mulher têm demonstrado ser sempre o melhor arranjo social para vencer as incertezas e os infortúnios da vida. Como tal, não é desejável apagar os instintos de cooperação nem homogeneizar vocações. Pelo contrário, precisamos de redescobrir a polaridade entre os sexos, pois é ela que estimula a atracção mútua, preserva a estabilidade compartilhada e viabiliza a sobrevivência.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.