O ambiente político e social em Portugal está acentuadamente polarizado a propósito de temas levantados pelos sectores mais extremos, à esquerda e à direita.
A existência de discussões dentro de uma sociedade não é causa de preocupação, antes pode resultar na criação de processos dinâmicos de crescimento e mudança, ou seja, em princípio é virtuosa. Infelizmente, a realidade é bastante mais preocupante. As discussões a que vamos assistindo reflectem não apenas divergências de pontos de vista ou posições ideológicas sobre a situação real, tal como ela é descrita por indicadores e estatísticas credíveis, mas resultam sobretudo da propagação de percepções sobre factos que são interpretados segundo critérios emocionais, que são depois empoladas e difundidas com recurso à manipulação e distorção da informação e, quando tal é visto como possibilitando a criação de uma reacção que poderá trazer dividendos políticos, à mentira pura e dura.
Isto é feito de modo inteligente. Não se citam factos reais, mas sim factoides isolados, descontextualizados, que criam uma percepção que torna a narrativa mais fácil de acreditar.
No início do corrente século, a discussão era sobre temas queridos à esquerda, centrados na criação de condições de desenvolvimento da liberdade individual e no respeito absoluto pela diferença, que foi em certos casos levado a situações extremas à luz do “politicamente correcto”.
O foco da discussão passou agora a ser a questão da segurança, misturada com a imigração. Tem-se divulgado a ideia de que o crescente número de imigrantes, sobretudo se estes são originários de países onde a religião maioritária é a muçulmana, significa aumento da criminalidade, da insegurança e da pressão cultural para a alteração de costumes. A existência de núcleos de imigrantes muçulmanos é imediatamente descrita e veiculada como uma ameaça, independentemente de qualquer razão de facto, e denunciada como evidenciando o encobrimento de criminosos e de planos de imposição da obrigatoriedade das mulheres usarem burka, etc.
Claro que existem situações individuais problemáticas! Mas, sendo a excepção, são interpretadas e propagandeadas como o padrão pelo qual todas as situações devem ser examinadas e avaliadas. Ou seja, invertemos a discussão de uma perspectiva em que tudo o que era diferente era virtuoso, para a inversa – o diferente é perigoso, e como tal condenável.
Para combater a diferença, defende-se a promoção de valores ditos nacionais, a limitação da imigração dessas origens, incluindo para reagrupamento familiar, o reforço da vigilância sobre os que já cá estão (à partida identificados como potenciais criminosos), e o repatriamento dos que estejam em situação irregular, muitas vezes sem se reconhecer que a irregularidade se deve ao atraso das autoridades no cumprimento de procedimentos burocráticos. Na realidade, quer-se impor a uniformidade cultural.
Há muitos anos que me habituei à ideia de que não é possível, nem desejável, impor modelos culturais ou políticos a outros. Eu tenho preferências culturais e políticas que, sendo Português, e Europeu, se identificam com os padrões que reflectem o consenso nacional traduzido na Constituição. Quando estou em locais onde sou diferente, não sou melhor nem pior, sou diferente, e quero ser aceite e respeitado como diferente. Mas comporto-me por forma a não ofender as regras locais. E se quero esse direito para mim, reconheço-o aos outros. Todos. Onde quer que estejam. Até em Portugal.