Após duas semanas de discussão, numa tentativa de firmar acordos que permitissem combater as alterações climáticas, a COP26 chegou finalmente ao fim, deixando, como já vem sendo hábito, um cortejo de insatisfeitos.

Quase que ironicamente, o Pacto Climático de Glasgow coincidiu com o rescaldo da subida do preço dos combustíveis que, por cá, não só gerou um parente suave do movimento coletes amarelos, como nos brindou com um novo esquema de recuperação de impostos, desta feita cobrados na aquisição de gasóleo, gasolina e afins: cinco euros por mês/mínimo de 50 litros!

É pesaroso constatar que, apesar desta coincidência invulgar entre oportunidade política, legitimada pelo COP26, e oportunidade económica, justificada pelo encarecimento das deslocações, não se tivesse aproveitado a ocasião para pressionar o investimento no tão depauperado sistema de transportes públicos nacionais.

Não seria difícil argumentar a seu favor. É ponto assente que o uso do automóvel particular é o grande responsável por emissão de gases com efeito de estufa. Do ponto de vista individual, somam-se custos com a sua aquisição e manutenção, custos com combustíveis e parqueamento sendo o segundo maior componente da despesa das famílias na zona euro – 13,2% no caso português (Eurostat, 2019). Sobre isto, acrescem ainda custos económicos e sociais provocados pelo congestionamento. Encontrar uma alternativa às deslocações de carro seria solucionar um problema de sustentabilidade com sentido amplo.

Sendo a questão de âmbito europeu – veja-se o relatório sobre mobilidade urbana sustentável (ECA, 2020), – há neste momento abertura para financiar projetos de infraestruturas e transportes, no âmbito da transição para uma economia verde.

Porquê então este aparente desinteresse? Porque ainda que a sustentabilidade tenha entrado no léxico corrente e domine as preocupações da opinião pública, não há coragem política para defender soluções coletivas que possam comprometer escolhas individuais.

A opinião pública reclama por soluções customizadas, ajustadas às necessidades de cada cidadão – circular de carro no espaço público é entendido como um direito que compete ao Estado assegurar. Neste enquadramento, o novo IVAucher dos combustíveis recebeu de imediato luz verde dos coletes amarelos portugueses.

Acalmar-se-iam os ânimos se a proposta fosse desenvolver um bom sistema de transportes públicos que prometesse ganhar tempo e poupar dinheiro em deslocações? É bastante duvidoso. As soluções coletivas têm sido preteridas numa sociedade que cada vez mais se bate sobretudo por direitos individuais. O direito a uma cidade sem poluição, passeios com espaço para peões, ou redução do ruído surgem como abstrações, para as quais não parece haver grande empatia.

A incapacidade de organização coletiva e a promoção de soluções individuais condenam a economia portuguesa a empobrecer. Ser ressarcido em cinco euros não compensará nunca o impacto que a dependência do carro tem sobre o rendimento das famílias portuguesas.

Investir em transportes públicos, pelo contrário, permitiria responder aos desafios da sustentabilidade, tornar a economia mais produtiva e melhorar a qualidade de vida.

Aproveitar o envolvimento de Portugal num pacto de desenvolvimento climático e simultaneamente promover a transição verde assumida com a União Europeia teria assim sido uma ótima oportunidade para solucionar um problema com muitas décadas.