A imposição generalizada de tarifas às importações dos Estados Unidos da América provenientes da União Europeia (UE) afetaria Portugal, em primeiro lugar, no comércio bilateral. Os EUA, com 7,7%, são o quarto destino das exportações nacionais, depois das óbvias Espanha, França e Alemanha. Entre janeiro e novembro de 2024, Portugal exportou 9,4 mil milhões de euros de bens e serviços para os EUA, de onde importou 3,4 mil milhões. Este saldo positivo da balança comercial bilateral, 6 mil milhões de euros, equivale a mais de 86% do nosso superavit total de 7 mil milhões.

Os principais bens exportados por Portugal para os EUA são produtos de base, como fármacos produzidos por multinacionais norte-americanas, britânicas e também portuguesas – Eli Lilly, Hikma e Hovione –, combustíveis e polímeros, produzidos respetivamente pela Galp e a Repsol, produtos de borracha, cortiça ou de celulose como são os da Continental Mabor, da Amorim e da Navigator. Assim, o efeito no tecido socioeconómico das PME produtoras de bens de consumo como mobiliário, calçado, têxtil, alimentar, bebidas, flores… Será menos dramático do que os grandes números indiciam, mas claro, um drama para cada uma das empresas afetadas.

Em segundo lugar, e se é verdade que grande parte dos serviços que Portugal compra aos EUA nos chegam indiretamente, como via Irlanda, salientemos também o potencial efeito indireto sobre as cadeias de produção nas quais Portugal se insere, como a já debilitada indústria automóvel europeia, declaradamente visada por Trump. Nessa fileira está mais de 25% do valor das exportações portuguesas. Nesse setor crítico há espaço para a UE ceder às pretensões norte-americanas, até porque impõe atualmente quatro vezes mais direitos aduaneiros sobre os veículos produzidos nos EUA à entrada na Europa (10%) do que o inverso (2,5%).

A dinâmica mostra contudo que é nos serviços, e não nos bens, que está a maior trajetória de crescimento das nossas exportações para os EUA. Nas viagens, fruto de mais rotas aéreas diretas, e com mais turistas norte-americanos a visitar-nos, para mais com o dólar valorizado. Mas também nas telecomunicações, em que Portugal alavanca o seu sucesso na dupla transição verde e digital para atrair a amarração de cabos submarinos transatlânticos e centros de dados de grande dimensão. As telecomunicações são o setor de atividade com mais investimento produtivo privado em curso no nosso país, incluindo pelas mais conhecidas empresas norte-americanas, que a isso são levadas pelas políticas da União Europeia.

No quadro da nossa política comercial comum, a relação dos EUA com a UE no comércio de bens é deficitária em mais de 150 mil milhões de euros, mas superavitária no de serviços, em mais de 100 mil milhões. Ora se os EUA impõem tarifas aos bens importados da EU, como forma de equilibrar esse seu deficit, e mesmo não subscrevendo a reciprocidade, admitamos que fará sentido que a resposta da UE incida, sob a forma de direitos ou outra, na sua relação deficitária, os serviços importados dos EUA. Talvez mais do que isso, a UE sinta uma crescente vulnerabilidade face à evolução deste setor nos EUA e uma propensão protecionista com vista quer ao desenvolvimento de campeões tecnológicos europeus, quer à fixação das operações das gigantes norte-americanas no espaço europeu. As grandes empresas da economia digital e partilhada são dos EUA. Na Europa operam, dominando os seus ramos de negócio, Amazon, Alphabet ou Meta a par de várias outras sedeadas nos EUA, mas também Uber ou Airbnb.

Isto não acontece na China, que bloqueia estas empresas norte-americanas, por motivos políticos, mas também económicos à guisa de políticos. O seu papel é replicado por empresas chinesas: Alibaba em vez de Amazon; Baidu em vez de Google; WeChat em vez de Meta. Didi Chuxing em vez de Uber e Tujia em vez de airbnb. Já agora, Weibo em vez de X. Manifestações do ‘Capitalismo de Estado’ da China, entre empresas públicas e ‘autorizadas’. Nos EUA assistimos à compra do Twitter, então incómodo para Trump, por Musk, que logo o transformou em X, a sua letra preferida para nomes de modelos de automóveis, empresas aeroespaciais ou de IA, filhos. Já Zuckerberg e o seu Facebook capitularam. Agora surge a proposta de adquirir a OpenAI, e, num elogio ao modelo chinês, a possibilidade de um fundo soberano a constituir pelas autoridades norte-americanas ter como propósito inaugural a nacionalização, pelos EUA, do TikTok alegadamente controlado pelo regime chinês. Sendo não obstante evidente que qualquer reciprocidade nesta matéria apontaria ao bloqueio do TikTok chinês nos EUA.

Fundo soberano que, juntamente com a redução do défice do Estado federal, seria financiado com este agravar dos direitos aduaneiros, alternativa a um agravar de impostos, desde logo sobre o consumo, o que seria pouco consentâneo com o discurso do Partido Republicano. No caso da relação com a Europa, quando há quatro anos e após a eleição de Biden €1 equivalia a $1,2, agora, após a eleição de Trump, está perto da paridade. Uma tarifa de 20% sobre os bens europeus poderia ilusoriamente parecer menos inflacionária pela compensação cambial. Já as produções norte-americanas tornar-se-iam comparativamente menos competitivas na Europa, pelo efeito convergente de tarifas retaliatórias e valorização do dólar. Afastamo-nos da desejável retoma do espírito do TTIP – Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento, cuja conclusão foi interrompida pela passagem da presidência Obama para a primeira presidência Trump. A Europa, já com acordos de livre-comércio com Canadá, Singapura, Vietname, Coreia do Sul e Japão, deverá continuar a professar esse caminho com novos parceiros.

A resposta à estranheza com o anúncio de putativas tarifas norte-americanas de 25% sobre as importações vindas de México e Canadá, e eventuais 20% sobre as provenientes da UE, quando à China se aplica (efetivamente) mais 10%, reside no ‘estado da arte’ da Secção 301 da Lei do Comércio dos EUA (de 1974), que permite a imposição de tarifas em resposta a determinadas práticas e é já muito penalizadora da China, que viu, por exemplo, em setembro de 2024, os direitos aduaneiros sobre os seus veículos elétricos agravados de 25% para 100%. Na relação com a China, seguir-se-á, ato contínuo à ‘guerra comercial’, a ‘guerra cambial’, com os EUA a acusarem as autoridades chinesas de manterem o yuan artificialmente desvalorizado face ao dólar, como forma de encarecer as exportações dos EUA para a China e favorecer as da China para os EUA.

Esta nova ofensiva protecionista de Trump visa sobretudo impulsionar o investimento nos EUA. Presentemente excedentários em energia, os EUA apostam já em obrigar à relocalização no seu território de indústrias energívoras e estratégicas, como as do aço e do alumínio. Neste caso concreto, estimulando os aceiros japoneses a desinvestir na China e a investir nos EUA.

No nosso caso, a necessidade de instalação de capacidade produtiva no espaço europeu e para fornecer a UE, por parte de algumas das melhores empresas mundiais, sejam norte-americanas de telecomunicações, ou chinesas da indústria automóvel, cria oportunidades para Portugal. À oferta de localizações de acolhimento empresarial, à logística portuária intercontinental e ferroviária intraeuropeia melhorada e sobretudo à disponibilidade de eletricidade renovável hídrica, eólica e solar, somam-se agora os mecanismos de incentivos que nos permitem concorrer em pé de igualdade com os demais Estados-membros da UE por esses investimentos. A Resolução do Conselho de Ministros (RCM) 34/2023, de 30 de março, que veio apoiar investimentos industriais, e a RCM 49/2024, de 20 de fevereiro, para apoiar os maiores investimentos industriais da ‘descarbonização’, de que é exemplo o já conhecido investimento de mais de 2 mil milhões de euros numa fábrica de baterias para veículos elétricos por parte da chinesa CALB em Sines.