Só quem não assistiu à sessão da Câmara dos Representantes de quarta-feira da semana passada, em que foram aprovados os dois artigos do impeachment – abuso de poder e obstrução ao Congresso –, pode dizer que tudo continuará na mesma, uma vez que a maioria republicana no Senado jamais votará a destituição de Donald Trump.

Foi um dia histórico, que marcará definitivamente a presidência de Trump. Quer se queira quer não, ele não será recordado pelos seus sucessos ou insucessos, políticos ou económicos, internos ou externos, nem sequer pelas suas óbvias idiossincrasias pessoais. Será sempre o terceiro presidente da história dos EUA a ser sujeito a um processo de impeachment. Ponto final.

Durante horas de um debate disciplinado e com grande elevação, os democratas falaram essencialmente do espírito da Constituição, da vontade dos “pais fundadores”, do que significa viver em democracia, de separação de poderes, do respeito pelo juramento presidencial, de ninguém poder estar acima da lei, da integridade das eleições. Os republicanos insistiram mais noutros pontos: na inexistência de provas, nas falhas do procedimento, no (des)respeito pelos eleitores que votaram Trump, na “farsa” montada contra o presidente, nas feridas que o impeachment abre entre os americanos, na natureza marcadamente partidária deste processo.

Este último tópico é, aliás, para além do impeachment em si mesmo, o ponto mais relevante do dia: a disciplina de voto, com os representantes de ambos os partidos a votarem de forma esmagadora em linha com as respetivas lideranças. Do lado democrata, apenas três votos desalinhados. Do lado dos republicanos, nenhum: Trump, outrora um embaraço para muitos republicanos, tem agora o partido a seus pés.

É indesmentível que, desde o dia em que Trump foi eleito, os democratas se deitam à noite e se levantam de manhã a pensar no impeachment. Mas também é certo que, eles próprios, já rejeitaram por três vezes artigos de impeachment apresentados na Câmara dos Representantes. Só à quarta tentativa é que se uniram para tomar uma decisão que, sabem bem, marcará as suas carreiras políticas.

Os democratas alegam que só agora o fizeram porque só agora os factos em causa constituem uma ofensa suficientemente grave e estão solidamente demonstrados. Os republicanos afirmam, porém, que a prudência passada dos democratas era apenas o receito de que, no dia das eleições, o feitiço se virasse contra o feiticeiro. E a razão determinante da ofensiva das últimas semanas é o desespero da aproximação das eleições presidenciais a falar mais alto.

A verdade é que, num país cada vez mais polarizado, ninguém sabe ao certo qual será o impacto deste processo de impeachment nas eleições de 2020.

Os próximos tempos vão ainda ser muito interessantes de seguir. Mitch McConnell, líder da maioria republicana do Senado veio a público anunciar que estava a preparar o processo de impeachment em coordenação com o gabinete jurídico da Casa Branca e com os advogados de Trump. O que é uma afirmação inusitada, que equivale a dizer que um jurado está desde o início do julgamento em conluio com o acusado e empenhado na sua absolvição.

Em resposta, a presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, disse no final da maratona parlamentar de quarta-feira que não está disposta a desencadear os procedimentos no Senado sem que estejam garantidas as condições para um julgamento justo. Ou seja, um julgamento a sério, que não pode traduzir-se uma absolvição sumária, sem possibilidade de escrutinar factos e ouvir testemunhas.

Afinal de contas, é disso mesmo que se trata: de um julgamento, em que o Senado – excecionalmente liderado por John Roberts, presidente do Supremo Tribunal Federal – assume o papel de um júri. Pode não ser o júri mais imparcial do mundo, mas é certamente uma câmara cujos membros deveriam ter a capacidade de olhar para além da sua filiação partidária e dos seus interesses eleitorais.