O que é afinal a União Europeia? O debate teórico e a experiência que o tempo permite oferece uma nova e pertinente resposta a esta pergunta. Segundo o sociólogo alemão Wolfgang Streeck, o conceito que melhor define a União Europeia (UE) é a de império, um império neoliberal. Podemos encarar as recentes nomeações para os mais importantes cargos das instituições europeias como mais um sinal que revelam e comprovam as características imperiais e neoliberais do atual projeto europeu.

O Conselho Europeu (que reúne os chefes de estado e de governo dos Estados-membro da UE) escolheu Ursula von der Leyen (CDU alemã, Partido Popular Europeu – PPE) para a presidência da Comissão Europeia, sem que ela estivesse no rol de candidatos, os spitzenkandidaten, que várias famílias políticas europeias apresentaram nas recentes eleições para o Parlamento Europeu.

O processo do spitzenkandidat como tentativa de democratizar as instituições europeias em geral e a Comissão Europeia em particular, afinal não é para respeitar. No final, quem decide é Angela Merkel em negociação com o seu homólogo francês Emmanuel Macron.

As outras escolhas, como sabem, foram o belga Charles Michel (grupo dos liberais) como presidente do Conselho Europeu, a francesa Christine Lagarde (uma das protagonistas dos ajustamentos neoliberais da Troika, diretora do Fundo Monetário Internacional) como presidente do Banco Central Europeu (BCE) e o pouco diplomático espanhol (terminou recentemente de forma abrupta uma entrevista em que o entrevistador lhe colocava questões sobre a Catalunha) Josep Borrell (grupo Socialistas & Democratas) como Alto Representante para Política Externa.

Como defende Wolfgang Streeck, a UE tal como outros impérios, tem um centro e uma periferia. O centro impõe e obriga a periferia à sua ordem política e económica, no caso europeu na forma de moeda única, de mercado interno e do requerimento geral de adesão aos “valores europeus”. As recompensas pelo cumprimento das determinações do centro são as transferências fiscais na forma de fundos estruturais e sociais. O centro é composto pela Alemanha sozinha ou pelo eixo franco-alemão (em que a Alemanha tem peso preponderante).

O centro oferece proteção militar aos países da periferia em troca de lealdade imperial (ex: Polónia e estados bálticos) e daí os recentes planos para aumento da despesa militar. Os países periféricos que não cumprem as regras estabelecidas pelo centro (ex: o começo do governo grego do Syriza) são punidos pelas instituições centrais como o BCE, enquanto que para os países centrais (como a França ao não cumprir o Pacto de Estabilidade e Crescimento) são abertas exceções.

Por vezes, governos rebeldes de países periféricos são substituídos por governadores imperiais (ex: Silvio Berlusconi substituído por Mario Monti em Itália ou George Papandreou substituído por Lucas Papademos na Grécia). E a saída do império, apesar de possível (afinal é um império liberal), é feita o mais difícil possível (ex: Brexit), de maneira a prevenir que outros países o façam ou se atrevam sequer a renegociar a sua participação no império.

A estas características imperiais aliam-se as suas características neoliberais constitutivas e expressas nos tratados. Como refere Wolfgang Streeck, é um império neoliberal em sintonia com “o internacionalismo neoliberal, tal qual foi concebido e atualizado por Friedrich von Hayek.” Uma das ideias centrais é a de isonomia com “sistemas legais idênticos para estados-membros formalmente soberanos” para que “os mercados internacionais funcionem sem maiores contratempos”.

Os governos nacionais dentro de um império neoliberal devem ser “capazes de expor” os seus cidadãos e os seus países às “pressões dos mercados internacionais integrados”. Como o problema ou “calcanhar de Aquiles” do neoliberalismo é a democracia, o império tem que desenvolver instituições nacionais e supranacionais que garantam que “o alcance da democracia na economia política seja estritamente limitado”. O estado neoliberal tem que ser “fraco na relação com os mercados”, mas precisa de ser “forte na relação com as forças sociais que pedem intervenção política para regular os mercados”.

As elites dominantes dos países não centrais (como Portugal) procuram obter uma filiação submissa ao império. Os estados periféricos “têm de ser dirigidos por elites que consideram o centro e as suas estruturas e valores particulares como modelos” a imitar. Eles “têm de se mostrar dispostos a organizar a sua ordem económica, política e social interna, de maneira a torná-la compatível com os interesses do centro.” A manutenção no poder destas elites revela-se essencial para a sobrevivência do império. O império irá retribuir a fidelidade destas elites “com meios ideológicos, monetários e militares que lhes permita controlar a oposição”.

Não cabe aqui avaliar ou debater este modelo institucional e político-económico. Mas como se diz em português devemos “chamar os bois pelos nomes”. A reconstituição de um império alargado na Europa, realiza-se voluntariamente na atualidade no quadro do projeto europeu e das exigências do capitalismo contemporâneo.