A propósito do cheque ensino e do artigo que escrevi no dia 21 de janeiro, neste jornal, tive diversas reações positivas umas, negativas outras, mas várias com argumentos válidos. Há, no entanto, um argumento que é utilizado sistematicamente por quem discorda e que revela bastante desconhecimento de conceitos económicos básicos.
O argumento reza mais ou menos assim: quem tem os filhos em colégios privados paga duas vezes a educação dos seus filhos, uma diretamente ao colégio escolhido e outra através dos impostos que (acrescentam geralmente) já são dos mais elevados da Europa.
Este argumento é duplamente falso: porque não são dos mais altos da Europa e porque parte da confusão entre o que é um imposto e o que é uma taxa.
Um imposto não serve para pagar um serviço, seja ele de educação ou outro qualquer. Aliás a receita fiscal nem sequer pode (salvo raríssimas exceções) ser consignada. Isto é, o Estado, nem que quisesse, podia pegar na receita do IRS, por exemplo, e destinar uma parte dela para pagar a escolaridade obrigatória.
A receita dos impostos é um bolo que tem que ser utilizado para pagar a despesa no seu todo (ou quase). Ou seja, no orçamento do Estado temos uma previsão da receita que vai ser coletada num determinado ano e com base nessa receita definem-se quais as políticas públicas que se vão executar.
Já uma taxa serve precisamente para pagar diretamente um serviço providenciado pelo Estado. É o exemplo da taxa moderadora que pagamos quando vamos à urgência de um hospital público ou a taxa de turismo quando ficamos em hotéis em alguns municípios do país.
Os impostos que pagamos servem para que o Estado possa funcionar, possa redistribuir e possa tomar as opções de gastos de acordo com um programa de governo sufragado nas eleições.
Podemos concordar ou não com a forma e eficácia com que o dinheiro está a ser gasto. Podemos achar que se deve gastar mais em saúde do que em cultura ou educação, ou que se deve gastar menos em tudo. Mas não podemos dizer que ao pagarmos impostos estamos a pagar um serviço específico.
Por essa lógica, se um contribuinte só recorresse a estabelecimentos de saúde privados, contratasse segurança privada dispensando os serviços da polícia, tivesse os filhos em escolas e universidades privadas, não usasse transportes públicos subsidiados, só circulasse em autoestradas pagas evitando desgastar as que são mantidas pelo Estado, praticamente não teria que pagar impostos.
Ou então – segundo o argumento de quem diz estar a pagar duas vezes –, o Estado deveria subsidiá-lo para pagar essa segurança privada, para ir ao seu médico privado, para pagar as portagens, ou até para meter gasolina no seu carro, já que não usa os transportes públicos e não estando a usar o que o Estado providencia gratuitamente, teria direito a receber a sua quota, paga nos impostos.
O argumento é claramente absurdo e o que se pretende é diminuir os gastos individuais de quem opta pelo privado ou, em alternativa, pagar menos impostos, coartando o estado da sua essencial função redistributiva, limitando a sua capacidade de oferecer a todos e, em especial aos menos afortunados, o acesso à educação, à saúde, à segurança, à licença de parentalidade, ao abono de família, etc.