Um dos temas mais controvertidos nos debates que se costumam travar sobre as questões europeias diz respeito à possibilidade de serem criados verdadeiros impostos europeus. A controvérsia atingiu um ponto que faz com que, por regra, a racionalidade seja afastada do debate e prevaleçam as posturas de fé e de preconceito. Verdade se diga, também, que a maior parte das vezes a questão é colocada de forma sub-reptícia e capciosa, o que contribui, logo à partida, para inquinar qualquer debate sério que se queira ter sobre o assunto.

A questão, atualmente, tenderá a ganhar nova relevância por dois aspetos fundamentais. Em primeiro lugar pela aproximação das eleições para o Parlamento Europeu, momento adequado para todas as questões controvertidas do projeto europeu serem abordadas e discutidas. Em segundo lugar porque a previsível saída do Reino Unido da União irá privar esta de uma parte substancial dos recursos com que faz frente às suas despesas. Neste ponto convirá ter presente que, actualmente, a UE possui um orçamento que não se afasta muito do 1% do PIB comunitário.

Ora, é manifestamente impossível pretender-se que a União Europeia aprofunde as suas competências, aumente o número das suas políticas comunitárias, invista mais na coesão social dos seus Estados-membros, defina como prioridade reduzir as assimetrias regionais que ainda conhece e atenuar as diferentes velocidades e ritmos de desenvolvimento dos seus Estados-membros se, ao mesmo tempo, se defender que a mesma não deverá aumentar os seus recursos – que serão, basicamente, ou impostos por si cobrados ou transferências que lhe sejam feitas pelos seus Estados-membros.

Por outro lado, num quadro europeu e comunitário, continua a ser de duvidosa bondade admitir a possibilidade de os diferentes Estados-membros de uma mesma União lançarem mão da política fiscal para concorrerem uns com os outros levando, por exemplo, a que quem mais recursos possua (particulares ou empresas) possa deslocalizar o seu domicílio fiscal, dentro da própria UE, para beneficiar de mais baixas tributações fiscais. É, no mínimo, discutível, a bondade destas políticas e a lealdade destas práticas. Sem cairmos na tentação de preconizar qualquer tipo de uniformização fiscal, não poderemos ignorar a questão.

Como se isto não chegasse, não podemos também perder de vista que os novos mecanismos do comércio eletrónico permitem que centenas de empresas sediadas fora da União, nesta realizem cada vez mais negócios, aufiram o justo lucro dessa atividade, mas consigam escapar por completo a qualquer tributação sobre a atividade que desenvolvem em território europeu, apenas porque a respetiva sede fiscal se encontra algures fora da UE.

Se me parece de todo insuportável que se admita a possibilidade de a União lançar impostos (diretos ou indiretos) sobre os cidadãos europeus – com exceção daqueles casos em que, eventualmente, esse acréscimo de tributação correspondesse a uma exata diminuição da carga fiscal nacional, por forma a que os mesmos gerassem uma efetiva, não meramente teórica ou académica, neutralidade fiscal – não me causa nenhuma objeção de princípio a tributação direta, por parte da União Europeia, daquelas empresas que não são europeias mas aqui geram os seus lucros e escapam a qualquer tributação em solo europeu.

De forma cautelosa, e sempre sem prescindir do princípio da votação unânime em sede de Conselho de Ministros da União, estaríamos em face de uma forma de aumentar os recursos próprios da UE e, assim, permitir o financiamento de novas políticas europeias e o reforço do financiamento de algumas das que já estão implementadas.

Não se peça é que as instituições europeias encontrem a quadratura do círculo – caminhem no sentido do aprofundamento das suas políticas a par com a redução dos seus recursos disponíveis.

É uma postura que está longe de ser consensual, admito-o, e mais longe, ainda, de merecer os favores da internacional do politicamente correto que marca a agenda europeia dos dias que passam. Mas quem olhar para a história deste projeto europeu concluirá, com facilidade, que alguns dos seus principais sucessos começaram por ser distantes miragens sonhadas por alguns – muito poucos – que ousaram não se conformar com esse mesmo politicamente correto, nem com aquilo que era mais simpático de dizer e ainda mais agradável de escutar.