O Dia do Livro Português, celebrado a 26 de março por iniciativa da Sociedade Portuguesa de Autores (data em que foi impresso o primeiro livro em Portugal), convida-nos a refletir sobre o valor da nossa produção literária e o papel fundamental da leitura na formação cultural e intelectual de qualquer sociedade. Num mundo cada vez mais digital, a proteção dos direitos de autor e o conhecimento acerca das implicações legais tornaram-se temáticas centrais para autores, editoras e leitores.

Nos últimos anos, testemunhámos a ascensão de plataformas de publicação e distribuição de e-books, como o Kindle ou o Kobo. Num primeiro momento, o mercado mostrou-se reticente perante estes dispositivos, pois a experiência de leitura em papel continua a ser valorizada e, para além disso, o controlo sobre as reproduções digitais era, até então, um desafio que se afigurava distante de ser plenamente resolvido. Contudo, é cada vez mais comum presenciar ávidos leitores com dispositivos eletrónicos de leitura. Este crescimento exponencial traz consigo diversos desafios na proteção das obras.

A revenda de livros e os desafios legais

No formato físico, quando se compra um livro em papel, o chamado “princípio do esgotamento de direitos” permite a revenda livre desse exemplar: o titular dos direitos de autor já não pode impedir que ele seja posteriormente vendido ou cedido, dando origem a um vasto mercado de livros em segunda mão. Este princípio não é exclusivo dos direitos de autor; uma lógica semelhante pode ser encontrada no direito das marcas, onde, após a primeira comercialização legítima de um produto, o titular da marca já não pode opor-se à sua revenda dentro do mesmo mercado.

No universo digital, contudo, a situação é mais complexa. Aquilo que normalmente adquirimos num e-book é uma licença pessoal e intransmissível, ao invés de um objeto tangível. Além disso, a lei e as cláusulas contratuais impostas pelas plataformas digitais (frequentemente complementadas por sistemas de DRM – Digital Rights Management) não reconhecem, em termos práticos, um direito de revenda tal como acontece com os livros em papel.

Esta questão foi analisada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no Processo C-263/18, num caso que opôs a Nederlands Uitgeversverbond e a Groep Algemene Uitgevers à empresa Tom Kabinet Internet BV, que geria um mercado virtual para a revenda de e-books “em segunda mão”.

O tribunal foi chamado a decidir se a disponibilização de e-books para download constituía um ato de distribuição (o que permitiria a sua revenda sem restrições) ou se estaria abrangida pelo conceito de “comunicação ao público”, que exige sempre o consentimento do titular dos direitos de autor.

A 19 de dezembro de 2019, o TJUE concluiu que a disponibilização para download de um e-book se enquadra na definição de “comunicação ao público”, e não na de “distribuição”, tal como definido na Diretiva InfoSoc da UE.

Na prática, significa que, ao contrário da revenda de livros impressos, os e-books não podem ser revendidos com base no princípio do esgotamento do direito de distribuição, nem podem ser disponibilizados para download sem o consentimento do titular dos direitos.

Esta diferença ilustra bem a importância de compreender e proteger o direito de autor num cenário em que as obras podem ser facilmente copiadas e distribuídas. Quem escreve e quem publica deve ter a preocupação de:

  • Registar formalmente a autoria para assegurar prova inequívoca da criação.
  • Estabelecer contratos claros com editoras e plataformas de distribuição, definindo os direitos de exploração comercial da obra.
  • Investir em tecnologias de controlo e monitorização, de modo a evitar partilhas ilegais e garantir uma adequada remuneração ao autor.

Ao mesmo tempo, a prática de registar e proteger as obras não deve ser encarada apenas como uma defesa jurídica, mas também como forma de valorização cultural e económica. O reconhecimento internacional de tantos escritores portugueses – dos clássicos aos novos talentos – prova que a literatura lusa continua viva e merece o devido cuidado na era digital.

Comemorar o Dia do Livro Português significa celebrar não só a nossa herança literária, mas também respeitar e incentivar a criação de novas obras, assegurando aos autores a proteção e os direitos que lhes cabem num mundo cada vez mais digitalizado.