Eis que, de repente, a Inapa entra em incumprimento e admite falência, o Board demite-se e os investidores ficam espantados e passam culpas. Podia este desfecho ter sido evitado?
Desde 1998, isto é, nos últimos 25 anos (!) a Inapa apresentou um comportamento errático nos resultados líquidos, com resultados negativos acumulados de 35 milhões de euros. As vendas estancaram à volta dos 1000 milhões de euros desde 2000, mas com tendência negativa desde 2011; i.e., a empresa não regista crescimento sustentado das vendas nos últimos 23 anos (!) e com tendência decrescente, o que revela um problema sério de competitividade que dificilmente mais financiamento vai resolver.
Na verdade, a aquisição da Papyrus, em 2019, prometia vendas combinadas à volta de 1500 milhões de euros, algo que nunca se chegou a verificar, tendo no ano de 2023 – quatro anos após a aquisição – registado 995 milhões de euros. Parecem ter existido sinergias e vendas de activos não core porque a dívida decresceu no período, mas a posição competitiva da empresa manteve-se frágil.
Os bancos viram reduzida a sua exposição, mas o elefante na sala não foi confrontado. O elefante na sala era que a empresa tinha perdido capacidade competitiva – provavelmente por falta de investimento em tecnologia, inovação e talento, e falta de estratégia sólida. Ora, antes de uma crise financeira está sempre uma crise de estratégia.
No dia 14 de Novembro de 2023, tive o gosto de ser keynote speaker no VII Congresso do Fórum dos Administradores e Gestores de Empresas (FAE), tendo falado do governance estratégico e de como os conselhos de administração devem evitar crises de estratégia que levem a crises financeiras graves.
Inicia-se com uma falha do processo estratégico, em que a gestão com a frustração de não conseguir fazer crescer as vendas passa, cada vez mais, a focar-se internamente para reduzir custos e procurar eficiências, acelerando a deriva estratégica, passando culpas, fazendo más escolhas estratégicas em desespero (como comprar subsidiárias na Alemanha) e culminando numa crise financeira grave.
A Inapa parece encaixar como uma luva. E o corporate governance?
No seu Corporate Governance Report de 2022 a Inapa reportava cumprir 41 das 46 recomendações do Código de Governo Societário do IPCG a si aplicáveis, isto é, um grau de cumprimento de 89%. O comité de auditoria, e não o conselho geral, pronunciava-se sobre estratégia e política de risco. Se o conselho geral não serve para discutir estratégia e risco, serve para quê?