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Incerteza leva famílias portuguesas a poupar mais

A taxa de poupança das famílias deverá continuar em rota ascendente este ano. Por outro lado, a pandemia não altera o perfil de investidor tipicamente conservador das famílias portuguesas.
11 Julho 2020, 20h00

A pandemia levou as famílias portuguesas a poupar mais e no primeiro trimestre por cada 100 euros do rendimento disponível colocaram de lado 7,4 euros, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE). A explicar esta evolução está não apenas um aumento do rendimento disponível, mas sobretudo uma diminuição do consumo, o que representa um aumento de 0,6 pontos percentuais face ao trimestre anterior. Ainda assim, a taxa de poupança das famílias portuguesas continua abaixo da média da zona euro, num retrato que no que concerne ao investimento ainda as coloca na categoria conservadoras.

“Podemos antever que a tendência do aumento da poupança que se verificou na segunda metade do mês de março deva continuar a manter-se e até aumentar no segundo e terceiro trimestres deste ano”, antecipa Nuno Mello, analista da XTV, que considera que o pedido de moratórias nos créditos pessoais e à habitação, associado à queda do consumo, permite às famílias portuguesas uma taxa de poupança superior mesmo “que o rendimento disponível seja inferior, quer por via do layoff ou mesmo do desemprego – com o respetivo pagamento do subsídio”.

Os tempos de incerteza levaram, assim, a generalidade das famílias a manter uma folga no orçamento mensal que acabaram por aforrar em detrimento do consumo imediato, explica Mário Carvalho Fernandes, Chief Investment Officer do Banco Carregosa. “Esta decisão foi transversal à generalidade dos consumidores nas principais economias desenvolvidas”, sublinha, explicando “as famílias portuguesas optaram por manter esse capital em instrumentos líquidos e seguros, com os depósitos à ordem no topo das escolhas”.

“Quando o propósito dessa poupança é constituir uma almofada de segurança no curto prazo, esta escolha acaba por ser compreensível, num contexto em que não existem alternativas com remunerações superiores para o mesmo nível de segurança e liquidez”, refere.

Porém, Nuno Caetano, analista da Infinox, considera que o aumento das taxas de poupança das famílias “não é uma mudança de comportamento ou de mentalidade, mas sim uma situação de necessidade”, assinalando que “o segundo semestre do ano será importante para se começar a analisar de forma mais clara os reais impactos que a pandemia irá trazer aos portugueses, e de que forma é que serão afectados pelas esperadas consequências económicas”.

Ainda assim, Mário Carvalho Fernandes analista explica que o menor nível de rendimento disponível é “um fator determinante” no facto das famílias portuguesas pouparem menos do que a média europeia, o que é complementado por factores sociais e culturais, como a preferência por aquisição da casa própria das famílias portuguesas. “Esta habitação acaba por se assumir como uma forma de poupança em forma de tijolo e cimento, mas sem as características de uma poupança estritamente financeira. Estes dois fatores em conjunto resultam num património familiar muito concentrado num único imóvel e com pouca liquidez, embora esta possa diferir bastante de acordo com as características do imóvel e o momento de mercado”, diz.

Enquanto a poupança sobe em contexto de pandemia, a taxa de investimento das famílias na zona euro recuou para os 8,7% no primeiro trimestre de 2020, que compara com os 9,1% do trimestre anterior, assinala Nuno Mello. O analista da XTB destaca que Portugal “não foi exceção à regra com os portugueses a resgatarem os seus investimentos do mercado financeiro com receio de potenciais perdas provocadas pela turbulência e alta volatilidade nos mercados”, ainda que a corretora tenha registado “um grande aumento no número de novos clientes nos meses de abril, maio e junho”.

Para Nuno Caetano “em Portugal não há cultura de poupança nem de investimento”, porque “também não há esse estímulo por parte dos consecutivos governos”. “A realidade é que temos dos mais baixos salários e dos mais altos impostos, e a perspectiva é que possam vir ainda a aumentar. Nas circunstâncias actuais, é muito complicado para o grosso dos portugueses pensar em poupar ou investir. Para isso há que criar mecanismos e incentivar para que isso aconteça”, diz.

A comparação com a média europeia não se afigura fácil, sustenta Mário Carvalho Fernandes, que explica que as opções de investimento das famílias europeias ainda são bastante distintas entre os vários estados membros. “Enquanto que a Europa do Norte o investidor típico delega preferencialmente a gestão das suas poupanças em gestores profissionais através de fundos de investimento ou de pensões, o investidor do Sul da Europa historicamente prefere o investimento direto e os depósitos bancários”.

“Em particular o investidor nacional tende a ser conservador e usar maioritariamente os produtos com garantia de capital, como os depósitos à ordem, a prazo e os produtos de aforro do estado português”, realça.

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