Quando me perguntam em que consiste a Teoria dos Jogos, começo por esclarecer que não serve para se jogar melhor Pictionary. O nome tornou-se mais familiar depois do filme “Uma Mente Brilhante”, mas as pessoas não ficaram muito mais esclarecidas sobre a sua serventia, só fixaram que era um ramo da Matemática associado a uma pessoa com esquizofrenia. O Novo Regime do Arrendamento Urbano ofereceu-me o exemplo perfeito para explicar esta coisa de tomar decisões cujos custos e benefícios dependem do comportamento de outrem. Senão, vejamos.

A Lei n.º 31/2012 fez a actualização das rendas dos contratos anteriores a 1990 depender de uma negociação entre senhorio e inquilino. Resumidamente, o “jogo” tem a seguinte sequência: o senhorio propõe uma renda, que o inquilino aceita ou recusa; se declinar, pode fazer uma contraproposta, que, por sua vez, está sujeita ao aval do senhorio; se este rejeitar, acaba-se o contrato e o arrendatário tem direito a uma indemnização correspondente a cinco anos da renda resultante da média das propostas dos dois “jogadores”. Ou seja, quanto mais elevada for a renda proposta pelo senhorio, maior será, por um lado, a probabilidade de ter de pagar a indemnização e, por outro, o próprio valor da indemnização. Raciocínio simétrico é válido para o inquilino.

Deste comportamento estratégico ficaram isentos os arrendatários com 65 anos ou mais, os com um grau de incapacidade igual ou superior a 60% e aqueles cujo rendimento anual bruto corrigido fosse inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais, já que a Lei n.º 31/2012 previu um período transitório até 2017. Mas, ao mesmo tempo, introduziu a possibilidade de despejo para a realização de obras que obriguem à desocupação do imóvel.

Dizem os Censos que, em 2011, na freguesia de Santa Maria Maior, um quarto da população estava na faixa etária dos 65 para cima, que 72% dos residentes arrendava a casa que habitava (ao contrário do que sucedia no concelho de Lisboa, onde a casa própria era maioritária) e que metade desses contratos foi assinada até 1990. Não me dizem, porém, (e mais ninguém o faz) quantos eram os casos abrangidos pelo período transitório. Mas contam-me que havia 3498 alojamentos vagos, mais que os 2517 alojamentos locais. Ou seja, para receber turistas, não era preciso despejar senão pombos.

Claro que o stock de habitações por ocupar vai desaparecendo. Perante uma oferta que não pode aumentar indefinidamente, há gente a desejar morar no centro de Lisboa (e, durante muito tempo, muitos não queriam!) e não consegue. Quem não quer deixar o mercado decidir a respeito invoca a necessidade de manter a população castiça dos bairros típicos. Eu sou apologista de uma política social de habitação, em que as câmaras municipais sejam senhorias; e defendo a criação de mecanismos que incentivem a colocação de casas no arrendamento de longa duração (em vez de ir pelo caminho mais fácil de impedir o alojamento local e turístico); não sou muito favorável à atribuição de casas em função de um índice de casticidade.

Aliás, já que falei em pombos, deixem-me lembrar que hoje são considerados uma praga e é proibido alimentá-los. Mas, quando eu era miúda, atirar-lhes milho na Praça da Figueira fazia parte da vivência genuína de crescer em Lisboa. Uns séculos antes, por alturas de D. João III, uma experiência típica seria assistir a um auto-de-fé no Rossio. Hoje em dia, a tradição da tourada tem sido muito contestada. Ou seja, a autenticidade é uma coisa que vai mudando. Querer manter o “gajo de Alfama” do Gato Fedorento é que é uma “disneyficação”. E o “treuze” um azar.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.

 

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