O contacto regular com o mundo empresarial, empresários e/ou dirigentes associativos fornece elementos para melhor compreensão das situações vividas – no limite de sucesso ou de grande dificuldade – em particular da forma de aproveitar oportunidades e de combater ameaças de alguma forma explicitadas nas estratégias sectoriais seguidas.
Recentemente tive ocasião de trocar algumas informações com um alto responsável na indústria da cerâmica em Portugal. Um sector que integra mais de mil empresas, emprega 18.000 trabalhadores e cujo volume anual de negócios ronda os 1.200 milhões de euros, com cerca de 70% destinados à exportação distribuídos por cerca de 160 mercados A importância do sector na balança do comércio externo é pois muito significativa, já que a taxa de cobertura das importações pelas exportações ronda os 360%!
A situação desta indústria conheceu nos últimos uma evolução bastante favorável, mesmo tendo em conta a pandemia. Mas tal acabou quase abruptamente, após o eclodir da invasão da Ucrânia, com as consequências imediatas sobre o preço do gás natural. Sabendo-se que esta indústria é das fortemente consumidoras de gás natural facilmente se compreende o enorme grau de preocupação com que é encarada a conjuntura, ao ponto de podermos concluir que para o sector os problemas inerentes ao período crítico da pandemia foram como que uma “brincadeira” face aos obstáculos de hoje.
De facto, a questão do gás natural é central. Foram-me dados exemplos de empresas do sector cuja facturação anual de gás natural passou de quatro milhões de euros em 2021 para uma estimativa de 15 milhões em 2022, outras de dois milhões de euros para dez milhões, etc.. Ou seja, aumentos de cinco, seis vezes mais, com incidência enorme na estrutura dos custos de produção. Ora, esta situação tornar-se-á calamitosa e levará empresas – que até têm mercado estável – a travar a produção ou até mesmo a encerrar a laboração, dado que entrarão em zona de prejuízo.
Para já, e face à inexistência de alternativas tecnológicas, vislumbram-se duas medidas essenciais:
1. reforço dos auxílios de Estado já aprovados e alteração dos seus condicionalismos, designadamente o facto do seu montante máximo por empresa, de 400 mil euros/ano, ser manifestamente insuficiente, pois segundo dados que nos foram fornecidos há múltiplas situações em que esta verba só dá para um mês;
2. fixar limite máximo para o preço do gás natural, sabendo-se – digo eu – que os consequentes défices tarifários terão que ser a prazo compensados.
De momento, retivemos que muitos empresários questionam-se sobre o que fazer nos próximos tempos, incluindo a desistência! É que, ainda por cima, empresas do sector, bem dinamizadas pela sua associação (APICER), já têm vindo a estar envolvidas nos processos de descarbonização e de sustentabilidade ambiental em geral (investindo também em equipamentos que buscam a eficiência energética). E esperam também, no âmbito do PRR, uma participação nas agendas mobilizadoras específicas anunciadas, ao que acresce a expectativa duma eficaz alocação de recursos no âmbito do Portugal 20/30, sobre a qual, aliás, o sector quer ser ouvido.
É óbvio que responsáveis do sector confirmam os problemas inerentes ao tecido empresarial nacional, como sejam a baixa produtividade e a falta de escala, partilhando os problemas amplamente identificados pela classe empresarial em geral relacionados com os custos do contexto, as reformas adiadas e a menor prioridade dada na política económica aos agentes/empresas.
Interessante é, no entanto, relevar algumas opiniões vindas do sector que apontam os efeitos positivos que a própria pandemia trouxe em termos dum maior espírito de cooperação empresarial, bem como a adopção gradual de novos métodos de gestão, no âmbito da indústria da cerâmica. Será um bom prenúncio?
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.