Nos últimos anos o empreendedorismo tem vindo a ganhar um espaço mediático superior ao seu verdadeiro impacto socioeconómico. Para dínamo de mudança de mentalidades, não é necessariamente mau.

Recordo-me que, quando decidi ingressar em engenharia eletrotécnica, os meus role models eram o Eng.º Francisco Sánchez (então Presidente da EDP), o Prof. Ferreira de Oliveira (à época CEO da Petrogal) e também o meu pai – fica aqui a justa homenagem – que, sem relegar a engenharia, administrava a Schlumberger em Portugal. Ou seja, gestores de grandes empresas e, em simultâneo, especialistas no seu sector de atividade. Porém, quando iniciei o doutoramento em parceria com o MIT, percebi rapidamente que as aspirações dos colegas do outro lado do Atlântico eram distintas.

Nós, os portugueses, ambicionávamos construir um percurso profissional sólido, na indústria, que – cereja no topo do bolo – culminaria numa função de gestão. Eles, os norte-americanos, eram mais pragmáticos: frequentavam o PhD para adquirir ferramentas e conhecimentos com a declarada finalidade de lançarem a sua própria empresa (o que aliás veio a suceder na vasta maioria dos casos). Volvida mais de uma década, reconheço que quem hoje sai da universidade em Portugal tem um perfil bem diferente. Consigo asseverar que os ídolos dos meus alunos já não são os líderes das empresas do PSI-20, mas sim os tycoons da baía de São Francisco.

Não é difícil apontar os principais indutores de mudança no último quinquénio. Por um lado, será justo reconhecer que a execução do Memorando de Entendimento com a troika, entre outras reformas, catalisou o empreendedorismo em Portugal. Em virtude de uma economia debilitada e um mercado de trabalho cristalizado, muitos tiveram a audácia de lançar projetos novos. Muitas microempresas foram criadas, com serviços mais ou menos inovadores. E, paralelamente, vivemos hoje um tempo favorável aos unicórnios empresariais como a Uber, o Airbnb ou o Snapchat.

Não obstante o clima propenso ao empreendedorismo, nos corredores de qualquer feira tecnológica (ou mesmo no Bairro Alto) ouve-se um criativo serôdio alvitrar – para uma audiência de potenciais empreendedores – que apenas uma em cada dez startups sobreviverá. Um verdadeiro mito urbano. Analisando os dados do INE, publicados em 2017, verifica-se que nascem em média 163 mil empresas por ano, sendo que 24% sobrevive durante pelo menos cinco anos. Já Scott Shane concluíra, em 2010, que a taxa de sobrevivência de novas empresas varia entre os 36 e os 51%, dependendo do respetivo sector de atividade(1).

Ainda que as estatísticas sejam menos severas para as startups do que o malgrado “bitaite”, não podemos negligenciar a ausência de uma estratégia nacional clara e consequente para a industrialização de microempresas, dedicadas ao fornecimento de produtos e serviços inovadores. O empreendedorismo tecnológico deve ter criatividade ilimitada, porém máximo profissionalismo, método e organização.

A industrialização do empreendedorismo deve ser promovida através da implementação de um roteiro que inclua: i) a identificação de áreas prioritárias (p.e. economia azul e mobilidade elétrica), oferecendo para o efeito programas de financiamento, dados e ecossistemas para testar as soluções; ii) o fortalecimento da ligação à Universidade, de forma a transferir e valorizar o conhecimento fundamental; iii) a alteração do Código dos Contratos Públicos no sentido de adaptar, para as startups, os procedimentos de qualificação de fornecedores; iv) a consignação de 20% dos bens e serviços, anualmente contratados pela administração pública, a microempresas inovadoras(2); v) o desenvolvimento de programas de mentoring que incluam o apoio à elaboração de planos de negócio e ao fundraising; e vi) a constituição de um acelerador de startups com foco social, para suportar o rápido desenvolvimento de microempresas que ofereçam soluções para os problemas sociais do país.

Porém, mesmo reconhecendo a ausência de uma estratégia promotora da industrialização do empreendedorismo, não embarco em ilusões. O Estado não vai gerar um exército de empreendedores. O Governo, neste capítulo, tem a limitada função de pugnar por aqueles que ousam arriscar, inovar e tornar possível o impossível, criando-lhes um quadro jurídico e financeiro que lhes seja favorável. A bola está forçosamente no court do promotor. Como diria o Eng.º Belmiro de Azevedo, “um empreendedor não se faz, mas FAZ-SE”.

 

(1) Shane, Scott, The Illusions of Entrepreneurship: The Costly Myths That Entrepreneurs, Investors and Policy Makers Live, 2010

(2) Em 2014 a Comissão Europeia adotou um novo enquadramento para procedimentos de contratação pública, de forma a promover oportunidades para as startups.