No final do mês de maio, em jeito de balanço da conferência de Davos, Martin Wolf, jornalista do “Financial Times”, elencou o que chamou de doze proposições sobre o estado do mundo. Nestas incluiu temas como a guerra e a fome, a liderança da Ásia, com a China à cabeça, ou como um Ocidente dividido ainda consegue dominar as relações de troca internacionais pela importância das suas divisas. Terminou advertindo que a inflação disparou e que a resultante queda dos rendimentos reais conduzirá inevitavelmente a convulsões sociais.
Wolf parece considerar que a inflação veio para ficar. Adverte que este fenómeno poderá levar a uma perda de credibilidade dos bancos centrais – o que parece indicar que defende a subida das taxas de juro como forma de combatê-la –, enquanto a sua referência à perda de poder de compra indicia uma preocupação com a reposição dos salários.
Mas a sua proposição mais forte relacionada ainda com a evolução da inflação é a que sintetiza como “it’s the politics, stupid” – a ideia de que a economia está hoje em segundo plano, refém de decisões políticas que são tomadas à escala internacional, numa era que Wolf classifica como sendo de divisão, marcada por nacionalismos e rivalidades geoestratégicas.
Os últimos meses serviram para torná-lo evidente – a subida de preços tem sido sobretudo o resultado de duas razões: por um lado, da falta de vontade política para intervir e terminar uma guerra sem sentido; e, por outro, da incapacidade política de combater o poderio económico de consórcios internacionais numa economia que continua irreversivelmente globalizada (outra das proposições de Wolf).
Sem determinação política internacional para intervir e reverter estes dois fenómenos, a inflação será uma realidade. E do ponto de vista estritamente económico, que fatores justificam a sua persistência?
Primeiro, o receio fundamentado dos bancos centrais em subirem abruptamente as taxas de juro num momento de contração dos rendimentos reais. Encarecer os empréstimos das famílias num contexto de incerteza é deveras arriscado. Note-se que neste momento a situação só não é ainda de recessão porque foi possível às famílias acumular poupanças durante dois anos de confinamento, fruto dos fortes apoios prestados pelo Estado.
Segundo, e menos referido, a subida de preços está a permitir fazer ajustamentos há muito bloqueados, servindo os interesses de quem deles beneficia. Provavelmente de grandes empresas que realizam agora lucros extraordinários como não tinham desde a crise financeira e que usarão os seus círculos de influência para pressionarem os governos a não subirem os salários.
A curto prazo, a espiral de inflação pelos lucros condenará o poder de compra das famílias. E não há fim à vista para este estado de coisas. Infelizmente, o tempo da má política irá determinar o tempo da inflação.