A falta de medicamentos é um problema crónico em Portugal, afetando, direta ou indiretamente, quase metade da população portuguesa. Segundo avançava em junho um estudo do CEFAR, laboratório da Associação Nacional de Farmácias, “370 mil doentes em Portugal (5,72% dos utentes das farmácias) foram obrigados a suspender o tratamento por falta de medicamentos no mercado”.

Apesar de este ser um tema complexo, para o qual não existem respostas simples, o presente texto analisa exclusivamente o tópico que mais ameaça todo o modelo de negócio da indústria em Portugal: a política dos preços baixos.

Nos duros anos da troika, houve uma mudança clara de paradigma, com o racional económico – e a respetiva tutela – a serem obliterados da equação que define o preço de referência dos medicamentos à venda no país. Desde aí, passou a ser uma questão apenas de saúde – senão, contabilística. Como se previa, por essa razão e desde aí, muitos laboratórios made in Portugal acabaram falidos ou em mãos estrangeiras. E passámos a assistir a situações caricatas, para não dizer trágicas, em que muitos fármacos, que resultam de investimentos milionários em tecnologia e recursos, custam hoje menos do que um pacote de pastilhas elásticas.

Ora, num setor global e de ponta – e, por isso, fortemente dependente da sua capacidade inovadora, por via da aposta intensiva em investigação e desenvolvimento e profissionais altamente qualificados –, mais do que caricata a atual solução é grave e contraproducente. Parece fácil e tentador acusar os suspeitos do costume (basicamente, os laboratórios e o Estado) pela falta ou pelo racionamento reiterados de fármacos. Porém, relembramos que, pelo menos no primeiro caso, o suspeito do costume é uma indústria cuja principal atividade é investigar e desenvolver terapias e medicamentos que ajudam a salvar milhões de vidas em todo o mundo.

Se tivermos ainda em conta que os medicamentos são, na sua essência, produtos de alta tecnologia, exportáveis e transacionáveis internacionalmente, facilmente encontramos motivos racionais para a sua exportação – em detrimento da sua comercialização no mercado. Desde logo, pelo simples facto de que o mesmo medicamento pode custar cinco euros em Portugal e dez na Alemanha e, com a livre circulação de produtos, a motivação para vender em mercados com preços mais altos é (logicamente) grande.

Posto isto, enquanto se mantém o atual statu quo, há questões essenciais que se impõem. Desde logo, com a atual política de preços baixos, por quanto tempo mais conseguiremos manter o nível de inovação que tem permitido a descoberta de novas terapias e medicamentos que ajudam a salvar e poupar vidas humanas? E a que preço? Para as contas públicas baterem certo?

E, se assim for, deve essa tentativa de equilíbrio ser feita à custa da viabilidade e sustentabilidade das empresas portuguesas? Nesse caso, onde fica o discurso de que o Estado promove os setores mais competitivos, tecnológicos e exportadores da nossa economia? Na gaveta?

O setor farmacêutico gera um volume de negócios de cerca de mil milhões de euros anuais em Portugal e emprega diretamente cerca de sete mil profissionais (técnicos, investigadores, etc.), sendo responsável por 2% das exportações do país. Conforme tenho reiterado, com as condições ímpares do país (demográficas, geográficas e climáticas), mas também com as políticas de incentivo certas (económicas, fiscais ou de apoio estruturado à I&D), conseguiremos atingir um crescimento de mais 50% até 2025.

Num país que apresenta taxas de crescimento também cronicamente baixas, não parece ser esta uma aposta ganhadora? É só fazer as contas.