Imagine acordar num país onde os fundos europeus desapareceram, os incentivos à Inovação foram cancelados e as empresas fogem como ratos. Este cenário não é ficção: é o futuro que nos espera quando a incerteza política se torna regra e os mecanismos de apoio à competitividade são reféns da instabilidade, tratados como moeda de troca eleitoral, deixando empresas e investidores num limbo de indefinição.

As eleições antecipadas abrem mais um período de incerteza que trava decisões estratégicas e compromete investimentos estruturantes. E se o contexto internacional já desafia as empresas – com choques económicos, transições tecnológicas e exigências regulatórias cada vez mais complexas –, a imprevisibilidade política interna surge como um risco adicional. Os apoios à Inovação, que deveriam ser motores de transformação económica, voltam a planar num campo minado de indefinições.

E o que é que acontece quando as empresas deixam de confiar na sua continuidade? Quando os programas que deveriam ser estruturantes são colocados em causa e os mecanismos de apoio são mais questionados do que reforçados?

Não chegámos (ainda) ao ponto de rutura. Mas já vimos este filme antes. O PRR está na sua reta final, o SIFIDE tem um horizonte indefinido e o Portugal 2030 começa a ganhar velocidade, mas com a sombra da instabilidade política a pairar sobre a sua execução. A questão não é se os apoios vão desaparecer – é se o país consegue garantir previsibilidade suficiente para que as empresas invistam sem receio de que, no próximo governo, as regras do jogo mudem mais uma vez.

Os principais instrumentos de modernização da economia, como o PRR e o SIFIDE, são as últimas vítimas deste jogo de azar. O PRR, que deveria ser um acelerador de transformação, volta a estar sob ameaça. Há apenas um mês, o governo submeteu, com toda a confiança, um pedido de reprogramação para ajustar prazos e realocar 1.500 milhões de euros para áreas como saúde, ciência e inovação. À primeira vista, parece um ajuste técnico. Mas a realidade é mais complexa: os projetos inviáveis no calendário atual do PRR seriam financiados por verbas nacionais ou pelo Portugal 2030. Agora, essas mesmas verbas podem mudar de mãos e de prioridades, conforme quem assumir o poder.

O resultado? Um ecossistema empresarial que planeia o futuro como quem joga xadrez com peças em falta. Um novo executivo pode priorizar infraestruturas em detrimento de laboratórios de I&D. Os calendários de concursos e de avaliação deslizam, as contratações públicas congelam e as empresas que apostaram nestes instrumentos ficam à mercê de novos ajustes políticos.

Mas o problema não é novo. É sistémico. Portugal gere a inovação como um hobby e não como uma estratégia de sobrevivência. A falta de previsibilidade tem sido crónica nos mecanismos de apoio ao investimento. Veja-se o caso do SIFIDE: apesar de estável desde 2006, está, neste momento, com os dias contados. Com vigência apenas até ao exercício fiscal de 2025, não há garantia de continuidade ou de uma reforma que o torne mais competitivo. O cenário político atual só protela mais essa incerteza.

A ausência de um compromisso interpartidário sobre a renovação do SIFIDE gera insegurança. É certo que muitas empresas investem em I&D porque precisam de competir globalmente (ou pelo menos deveriam), e não apenas porque existe um benefício fiscal. Mas recuperar até 82,5% desse investimento faz diferença e potencia o reinvestimento. É a diferença entre contratar mais dois engenheiros ou adiar um protótipo.

A ironia é que todos sabemos a solução: estabilidade. Mas, em vez de a construir (isso exige coragem), preferimos improvisar. E a política económica do país deveria funcionar como um relógio suíço: previsível, preciso e construído para durar. No entanto, parece que trocámos as engrenagens por um baralho de cartas. A cada eleição, baralhamos prioridades, redistribuímos recursos e esperamos, por milagre, um “royal flush” de crescimento.

Em suma, os instrumentos de apoio à Inovação deveriam ser blindados por um compromisso transversal entre partidos e renovados sem hesitações. O PRR e o SIFIDE não estão à beira do colapso, mas a incerteza política é um luxo que Portugal não pode pagar. O setor empresarial não precisa de suspense – precisa de clareza. De saber que, daqui a cinco anos, o SIFIDE ainda existirá. Que os fundos europeus em execução não serão desviados para becos ideológicos. Que a inovação não é um ato de fé – é um pilar de sobrevivência.

Portugal pode continuar a ser um especialista em adiamentos ou finalmente decidir que a credibilidade e o futuro não são negociáveis. E se há algo que a história nos ensina, é que, quando se joga com o tempo, é sempre ele que acaba por ganhar.