É demasiado fácil denegrir a União Europeia, acusando-a de excessiva carga legislativa e regulamentadora, que potencia a proliferação de teias burocráticas. Estas acusações, em parte fundamentadas, pecam no entanto por excesso de ligeireza. Porque a adesão portuguesa ao espaço comunitário legou-nos instrumentos de cidadania de que não abdicamos, embora por vezes esqueçamos de onde provêm. É o caso do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que diversas vezes tem dado razão a cidadãos portugueses em litígio com o Estado. É também o caso do Programa Erasmus, que tanto tem contribuído para a partilha de experiências enriquecedoras por parte de largos milhares de jovens estudantes europeus que transitam entre estabelecimentos universitários, alargando horizontes muito para além das fronteiras dos países de origem.
De Bruxelas não nos chega apenas burocracia: chegam-nos também leis inovadoras que permitem pequenos saltos civilizacionais. É o caso do pacote de medidas recentemente aprovado pela Comissão Europeia no âmbito da estratégia do Mercado Único para o setor dos serviços. Este instrumento jurídico vem ao encontro das reivindicações de uma nova geração empreendedora, que olha para o mercado de 500 milhões de consumidores da UE sempre como uma oportunidade, jamais como um obstáculo.
É sobretudo para ela que se destina o novo pacote legislativo aprovado em Bruxelas. Que prevê a entrada em vigor de um novo cartão digital europeu de serviços, destinado a agilizar procedimentos no cumprimento de formalidades administrativas no estrangeiro, beneficiando em larga medida os prestadores de serviços empresariais (consultores em tecnologias de informação, empresas de engenharia, organizadores de feiras).
Além disso, a Comissão Europeia desafia os Estados-membros a reavaliarem a regulamentação das normas nacionais que definem os serviços profissionais (engenheiros, contabilistas, farmacêuticos, agentes imobiliários) para possibilitar uma maior mobilidade dos recursos humanos no vasto mundo dos serviços, que asseguram dois terços da economia europeia e geram 90% dos novos postos de trabalho.
É, desde logo, um repto aos agentes económicos da UE, desafiando-os a ir ao encontro das reivindicações dos consumidores sem esperar que sejam estes a adaptar-se aos seus interesses. Passou o tempo em que o único traço comum entre cidadania e consumo era a consoante inicial de ambas as palavras. Uma e outra tornaram-se indissociáveis. E quem não percebe isto arrisca-se a perder os desafios do futuro.