É provável que o Chega consiga ser o segundo partido com mais deputados, uma mudança radical no regime.

É muito cómodo e atraente insultar os eleitores deste partido, até porque muitas das bandeiras e atitudes deste partido são execráveis, mas não só isso não nos leva a lado nenhum, como constitui uma fuga às responsabilidades de tantos que, inadvertidamente, andaram a alimentar o voto de protesto. Por outro lado, é essencial distinguir entre os dirigentes do Chega e os seus eleitores, muitos dos quais votaram durante décadas nos partidos que agora os vituperam.

Sem pretender-me antecipar às conclusões de estudos que devem ter lugar, sugiro duas explicações. Por um lado, muitas pessoas estão muito irritadas com a agenda “woke” (acordada) do politicamente correcto, que já tinha perdido as estribeiras há muito tempo, entrando por delírios, que chegaram ao ponto de censurar o uso da palavra “mulher”.

A nível internacional, houve uma viragem, simbolizada pela eleição de Trump, que alterou mesmo o “espírito do tempo” (zeitgeist). Em Portugal, a direita moderada nunca foi capaz de ser uma barreira àqueles excessos, e em alguns casos (como o do presidente da câmara de Lisboa, a dizer que empunhar a cruz de Cristo é uma “provocação”) ainda nem sequer percebeu que os tempos mudaram.

A segunda razão é a imigração, sobretudo pela forma descontrolada como se desenrolou a partir de 2015. Podemos dividir as acções políticas em quatro grupos:

i) políticas correctas e bem recebidas pelo eleitorado, como a desburocratização; ii) políticas correctas mas mal recebidas, como a correcção de défices públicos excessivos (mesmo se contendo alguns erros pelo meio); iii) políticas erradas mas bem recebidas, como a subida demagógica das pensões; iv) políticas erradas e mal recebidas, como a imigração descontrolada.

É mau que haja políticos que optem por medidas do tipo iii), mas percebe-se que o façam, porque o eleitorado os deverá beneficiar com isso. Já não se compreende que optem por medidas do tipo iv), que não são nem correctas nem populares. Ao longo das últimas décadas, vimos dezenas de manifestações a pedir aumentos das pensões, mas alguém alguma vez viu apelos populares a pedir para Portugal ter mais imigrantes?

Em 2015, tínhamos uma percentagem de imigrantes cerca de metade da média europeia, que subiu para valores muito acima da média europeia. Temos uma crise de habitação, que foi agravada pela chegada repentina de mais de um milhão de imigrantes. Ainda por cima, muito poucos têm vindo para o sector da construção, que ainda tem menos 180 mil trabalhadores do que tinha em 2008. O nível de construção continua ridiculamente baixo, 25 mil fogos (novos e reabilitados) em 2024, cerca de metade do mínimo necessário para evitar o agravamento da crise de alojamento.

O SNS já estava a rebentar pelas costuras e os imigrantes trouxeram pressão adicional sobre um sistema incapaz de satisfazer os que já cá estavam. Um dos segmentos que mais tem estado nas notícias, a obstetrícia, assistiu ao duplicar do número de partos de mulheres estrangeiras, de 14 mil em 2015 para 28 mil em 2024.

Se compararmos com os partos de portuguesas, que foram de 57 mil no ano passado, verificamos que os imigrantes representam uma procura adicional de serviços de saúde de 49%. Acham mesmo que se podia ter deixado tudo na mesma, que o sistema ia aguentar este aumento brutal de pressão? Aliás, convém esclarecer quanto desta explosão de partos de estrangeiras é “turismo de saúde”, porque estes números são altamente preocupantes.

Na educação, há uma guerra de números sobre quantos milhares de alunos estão sem aulas, mas a conclusão que não é contestada é que faltam milhares de professores. Também aqui, é evidente que o sistema tem grandes dificuldades em absorver os filhos dos imigrantes.

Acham mesmo que os eleitores não tinham mais do que razões para ter escolhido o voto de protesto? Também tem que se acrescentar que foram muito iludidos, porque o Chega não tem soluções. Mas deixemos-lhe o benefício da dúvida, a ver se ajuda a construir soluções na nova legislatura.