África é um continente jovem, em transformação e cheio de potencial. Com mais de metade da sua população com menos de 25 anos, trata-se de uma verdadeira bomba demográfica — um desafio, mas também uma oportunidade única para saltos qualitativos no desenvolvimento. Países como Nigéria, África do Sul, Egito, Quénia ou Gana estão a emergir como potências regionais, impulsionados por uma crescente classe média (a base das economias), investimentos em infraestruturas, agricultura e dinamismo tecnológico. No sentido inverso, alguns países africanos ainda continuam presos a conflitos, instabilidade política ou isolamento digital.
É neste contexto que a Inteligência Artificial (IA) surge como ferramenta promissora — ou ameaça. Nas zonas mais remotas, onde faltam médicos, a IA já permite diagnosticar doenças como malária ou tuberculose. No Ruanda, drones com IA efetuam entregas de medicamentos em tempo útil. No setor agrícola, aplicações móveis ajudam os agricultores a prever pragas, otimizar colheitas e gerir os solos. E no setor financeiro, sistemas baseados em IA estão a permitir acesso ao crédito a quem nunca passou por um banco.
A aplicação da IA em África pode dar frutos tanto no setor empresarial como no setor público. No setor privado, para além do empreendedorismo interno, o progresso passará por parcerias e investimentos externos, sejam oriundos do Ocidente, seja das economias emergentes como os BRICS, com grande influência na região. Já no setor público, o impacto da IA poderá ser profundamente transformador na redução das assimetrias.
Exemplos concretos incluem o diagnóstico assistido por IA em zonas sem médicos, o uso de chatbots de saúde em línguas locais, tutores virtuais para ensino ou formação adaptados a idiomas africanos, registos civis e eleitorais com biometria (fundamentais onde muitos cidadãos não têm identificação ou não sabem assinar), e sistemas de tradução automática em línguas como o Swahili, Hausa ou Zulu.
Em Angola, o potencial da IA permanece largamente por explorar, devido a limitações estruturais como o acesso desigual à internet, baixa digitalização dos serviços públicos e escassez de formação técnica, apesar de existirem iniciativas pontuais no setor financeiro e nas telecomunicações.
Apesar das potencialidades, a IA traz consigo riscos globais. O conceito de “singularidade”, em que a IA se torna mais inteligente do que os humanos e capaz de se autoaperfeiçoar, levanta preocupações éticas e existenciais. A crescente dependência tecnológica torna as empresas mais capital-intensivas, deixando para trás aquelas com menos recursos. Diferentemente das revoluções anteriores, a IA não apenas automatiza tarefas — começa a tomar decisões. E fá-lo com base em padrões, muitas vezes opacos, com impacto em vidas reais.
O controlo de redes sociais por sistemas de IA permite uma manipulação personalizada da informação, explorando emoções como o medo e o ódio. Neste novo paradigma, ganham relevância as soft skills — pensamento crítico, inteligência emocional, liderança, criatividade, comunicação, trabalho em equipa — pois quem não se adapta corre o risco de ser excluído.
A somar aos riscos gerais, os riscos da IA em África não podem ser ignorados. A fraca ou ausente proteção de dados em muitos países africanos levanta preocupações sérias sobre vigilância e manipulação. Apenas um terço da população africana tem acesso estável à Internet, o que aprofunda desigualdades. Pior: a maioria dos modelos de IA é treinada com dados ocidentais, sem sensibilidade cultural, linguística ou económica ao contexto africano.
Como alertou Geoffrey Hinton, um dos pais da IA moderna, estamos num ponto crítico: “99 pessoas inteligentes estão a tentar tornar a IA mais forte e apenas uma está a tentar travá-la”. Sem regulação adequada, a IA poderá amplificar assimetrias, manipular democracias e agravar desigualdades. Se a regulação em excesso pode representar um constrangimento económico, a sua total ausência pode colocar em causa direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos.
África precisa, mais do que nunca, de uma estratégia própria: uma “IA com sotaque africano”, desenhada com base na sua realidade e prioridades. Investir em ciência local, proteger os dados dos cidadãos e garantir que as tecnologias sejam inclusivas e acessíveis é imperativo. Se bem usada, a IA pode transformar África. Mal-usada, pode transformá-la num laboratório de injustiças algorítmicas.