A Internet apareceu na minha vida em 1994 como uma ferramenta que simplificava e enriquecia extraordinariamente a consulta de informação técnica e empresarial, anteriormente confinada a bases de dados especializadas. Passados vinte e cinco anos dessa data, aquele instrumento rudimentar tem evoluído de uma forma inimaginável, atingindo uma relevância que levou a ONU a declarar o acesso à rede um direito universal. Apesar disso, ainda fica fora do alcance de 50% da população mundial.
A maleabilidade da Internet como ferramenta de informação, comunicação e interação global a tem transformado num poderoso instrumento capaz de amplificar os melhores e os piores aspectos da condição humana. Ainda hoje, a Internet é um potro selvagem cheio de energia que deve ser domesticado e que, se a deixarmos mexer sem controlo, provocará destroços neste novo faroeste digital.
Por isso, a governança da rede é um aspecto de relevância crescente conforme alarga e aprofunda o seu impacto na vida de cada um de nós. E transforma-se num fator crítico quando deriva em sentidos contrários aos que apontaram os seus promotores, como a manipulação informativa, a perda de diversidade e a transformação num palco de tensões geopolíticas.
A descida da Internet aos infernos da manipulação e da criação de falsidades é uma realidade cada vez mais palpável, o que afortunadamente está a despoletar algumas iniciativas de proteção e de mitigação. Na rede, a mentira coabita com igualdade de crédito que a verdade, tendo já garantido, por exemplo, réditos políticos substanciais em vários processos eleitorais.
No que respeita à perda de diversidade, a dimensão e o poder dos gigantes da Internet estão a crescer sem limites, o que condiciona a atividade num número crescente de setores. Assim, só duas empresas, a Facebook e a Google, concentram mais da metade do tráfego publicitário da Internet e canalizam a maior parte da entrada nos sites informativos. E outras, como a Amazon, parecem estar mais focalizadas em destruir os seus concorrentes em cada uma das áreas em que atuam do que em gerar lucros.
A Internet nasceu como uma rede para manter operacionais as comunicações em caso de conflito bélico e, de forma inesperada, parece estar a recuperar esse espírito militarista. Assim, como consequência da desconfiança mútua entre a China e os Estados Unidos, o mundo poderá ter cedo várias Internets desconexas, com equipamentos de comunicação, sensores e privilégios de acesso a conteúdo diferentes em cada caso. A Internet está-se a transformar no centro da nova guerra fria, alimentando o autoritarismo digital de governos que, como o Russo, estão a promover redes soberanas. Está a nascer uma nova “Inter-nyet”, em que a troca do sufixo reflete o propósito de controlar os utilizadores através de sistemas de encriptação, filtração e ordenação de conteúdos.
Desde a pré-história, a tecnologia nunca foi neutra. Sempre teve um caráter político porque o seu domínio muda as relações de poder. A Internet nasceu como uma utopia californiana e está-se a converter numa “tecnoplutocracia”. Embora o pareça, não é grátis. Não há nada grátis e a contrapartida dos seus fabulosos serviços será, no limite, o controlo sobre nós.