Uma birra, quase por definição, é raramente justificada. Prima do amuo, reflete a insistência numa mesma ideia, uma reação exagerada, um estado de irritação, uma implicância face a algo ou alguém. Todas estas características têm sido demonstradas recentemente pelo grupo a que damos o nome de “os investidores”, e que se refere às pessoas e instituições que aplicam capital em obrigações e/ou ações nos mercados globais.

As taxas de juro das obrigações soberanas no mercado secundário têm subido, motivadas pela expectativas de uma aceleração rápida da inflação. Os preços deverão subir impulsionados pela ‘vingança’ dos consumidores quando forem libertados da prisão do confinamento, com as carteiras recheadas com o dinheiro dos apoios anti-crise.

Esse comportamento, por si só, não é um problema, é até saudável e necessário para reativar sectores castigados pela crise. O problema é que esse aumento da inflação e das yields deixa os investidores em ações à beira de um ataque de nervos.

Primeiro, porque torna apelativos os retornos dos ativos de dívida, que podem concorrer novamente com, por exemplo, as ações das utilities, cujo charme depende muito das yields dos dividendos, uma espécie de taxa de juro.

Segundo, e mais importante, porque pode levar os bancos centrais a retirarem os dedos dos gatilhos das chamadas ‘bazucas’. Se a inflação sobreaquecer, uma das principais metas terá sido atingida, ou até ultrapassada, e portanto a massiva compra de ativos poderá ter de ser reduzida, para retirar liquidez e arrefecer os preços.

As atenções têm estado centradas nos EUA, onde a subida da taxa das treasuries a 10 anos na semana passada para máximos de um ano, nos 1,6%, levou a alguns tremores nos índices em Wall Street, em alguns dias até sobrepondo-se às boas notícias sobre a vacinação. Os antecedentes estão precisamente nos EUA, onde, em 2013, os investidores reagiram em pânico coletivo ao sinal da Reserva Federal (Fed) sobre o tapering, a travagem gradual na compra de ativos, fenómeno que ficou conhecido como taper tantrum (birra).

Nessa altura, a birra acabou por resultar, pois a Fed não desacelerou as compras (só o faria em 2015) e o bull run nas ações continuou. Agora, os bancos centrais estão na mesma posição difícil. Têm de dizer que a subida da inflação vai ser temporária, que vão ser pacientes e não vão reverter a política monetária. Se as palavras não bastarem, poderão ter de disparar as bazucas, para acalmar os ânimos, e as yields, tal como fez esta semana o banco central da Austrália, ao acelerar a compra de obrigações.

Toda esta situação poderá acabar por ser transitória, pois tem como base o fator positivo da expectativa do regresso da atividade económica. No entanto, esta nova birra serve para salientar alguns aspetos alarmantes sobre as consequências de como se combatem hoje as crises económicas e financeiras – atirar dinheiro para abafar o problema.

As ações tomadas pelos bancos centrais no último ano foram cruciais para evitar uma crise financeira em cima de uma crise económica. Infelizmente, a solução teve de ser a de fomentar um problema antigo, regar com liquidez um sistema sedento de fundos para aplicar em ativos de risco, para poder obter ganhos elevados através de valorizações rápidas, mesmo no meio da maior crise em décadas.

A ‘normalização’ da política monetária é um problema complicado para os bancos centrais precisamente por isto. Criaram uma habituação tão grande ao dinheiro barato e aos ganhos rápidos que vai ser muito difícil voltar a agradar aos investidores apenas com retornos lentos e derivados das suas próprias poupanças.

Os bancos centrais colocaram-se nesta situação impossível, acumulando balanços gigantes que não conseguem reduzir porque, cada vez que tentam, aparece uma nova crise. Pior do que isso, cada vez que tentam retirar o biberão da boca do bebé, ele desata aos berros.