Tudo parece indicar que os piores dias da pandemia de Covid-19 terão, finalmente, ficado para trás. Apesar das previsões iniciais de um êxodo urbano duradouro, as pessoas estão a regressar às grandes cidades. Mas a pandemia trouxe muitas mudanças urbanas potencialmente duradouras – incluindo a adaptação de ruas anteriormente usadas para trânsito automóvel e estacionamento a ciclovias, pequenas áreas de lazer e restaurantes.

Um dos principais conceitos urbanos que emergiu da pandemia é o da cidade de 15 minutos, ou bairro de 15 minutos, i.e., um lugar em que todas as necessidades do dia a dia – lojas, escolas, local de trabalho, consultórios médicos, parques, bibliotecas, restaurantes e outros serviços – possam ser satisfeitas num raio de 15 minutos de casa, a pé ou de bicicleta. O conceito, desenvolvido pelo urbanista francês Carlos Moreno e colocado em prática pela presidente da câmara de Paris, Anne Hildago, designa-se em francês “la ville du quart d’heure“. E os bairros de 15 minutos estão hoje na moda nos novos empreendimentos urbanos de cidades tão diversas como Paris, Portland ou Melbourne.

A cidade de 15 minutos visa reorganizar o espaço físico em torno da experiência humana do tempo. Os bairros tornam-se assim isócronos – cada área pode ser explorada no mesmo período de tempo, o que significa que os residentes podem satisfazer as suas necessidades ao longo da mesma caminhada. Em cada bairro de “15 minutos”, os trabalhadores podem morar perto do seu local de trabalho ou espaço de cowork, de forma a eliminar o penoso tempo de deslocação. Qualquer pessoa pode ir a pé até a um parque próximo sem ter de preocupar-se em procurar estacionamento. A construção comunitária também irá beneficiar desta abordagem: dividir uma cidade em unidades mais pequenas torna a mesma mais gerível do ponto de vista social.

Estas experiências são inéditas e empolgantes, e têm por base princípios de planeamento há muito estabelecidos. Desde a crise do modernismo monofuncional no pós-guerra que urbanistas e designers têm proposto empreendimentos de utilização mista, de habitação e serviços. O bairro de 15 minutos assegura uma escala espacial específica e propõe um novo modelo de cidade grande, que emerge qual um organismo fractal composto por pequenas partes repetitivas.

Haverá críticas a apontar?

Por um lado, o bairro de 15 minutos é uma opção difícil para uma nação suburbana, como os Estados Unidos. Embora seja bastante fácil imaginar Paris, Copenhaga, Barcelona ou mesmo boa parte de Manhattan ou Brooklyn, ou mesmo grandes áreas de Boston e Cambridge a adotar o modelo de 15 minutos, este é difícil de imaginar nos vastos e longínquos subúrbios onde a maioria dos americanos vive. As cidades e os subúrbios norte-americanos apenas poderiam aplicar o conceito “15 minutos” se este fosse fazível de carro.

Por outro lado, as comunidades de 15 minutos pouco fazem para alterar a dura realidade das desigualdades económicas e geográficas. Prometem serviços próximos e o luxo de andar a pé à aristocracia urbana. Ou seja, trata-se de um conceito mais adequado a bairros urbanos ricos e menos adequado às zonas desfavorecidas das nossas cidades. Como realça o economista Ed Glaeser, professor em Harvard, a população menos favorecida já tem dificuldade em viver em bairros desfavorecidos, onde o emprego, as lojas e os serviços existentes nas comunidades com maior poder de compra escasseiam.

Muitos dos nossos colegas urbanistas questionam-se sobre o que há de verdadeiramente novo no conceito da cidade/bairro de 15 minutos. Pouco mais veem nele do que uma ideia reformulada de bairros urbanos ou “aldeias”. A vida na aldeia tem muitas vantagens – comunidades unidas, um ritmo de vida tranquilo, deslocação fácil – mas falta-lhe o dinamismo de uma verdadeira cidade.

A vida urbana requer a vasta extensão de toda uma cidade e área metropolitana. E é impossível replicar algumas das instituições mais importantes – grandes universidades, grandes museus, grandes teatros à escala de um bairro. As cidades prosperam porque criam um mercado para estes extraordinários ativos e instituições.

Podemos ir ao café do bairro todos os dias, mas só iremos de metro até ao museu ou teatro uma vez por mês. O estudo que um de nós publicou recentemente na revista “Naturemostra que, no dia a dia, a frequência com que visitamos um determinado local é inversamente proporcional à distância a que fica da nossa casa.

Em vez de uma cidade de 15 minutos, propomos pensar em algo semelhante a um “ponto de partida de 15 minutos”. Esta designação mais circunscrita pode servir para nos recordar um aspeto importante: muitas vezes, as zonas verdadeiramente vibrantes da cidade começam quando os primeiros 15 minutos acabam. Com fácil acesso ao essencial, podemos guardar as nossas viagens mais longas para procurar e participar nessa diversidade e especialização, apenas possíveis à escala de uma verdadeira cidade e área metropolitana.

Os grandes bairros são incompletos por definição, pois funcionam como pontos de passagem ou pontos a partir dos quais os residentes podem ir mais além. Os grandes bairros nunca são autossuficientes, mas são sempre uma função e consequência natural das grandes cidades.