A proposta de orçamento para 2017 foi apresentada na passada sexta-feira e até agora ainda não se deu pelo vislumbre do diabo, nem pela revolução bolchevique que supostamente iria transformar Portugal num país sem futuro governado por radicais esquerdistas. Pelo contrário, muitas das medidas divulgadas representam um esforço sério e realista de aprofundar a devolução de rendimentos aos trabalhadores e pensionistas. Este é, sem dúvida, o orçamento que valoriza quem vive ou viveu dos rendimentos do seu trabalho. É também o orçamento que procura aprofundar a justiça fiscal, ao diversificar as fontes de rendimento e de riqueza passíveis de tributação.

Trata-se de um orçamento de sensibilidade social que pretende inverter decisivamente o ciclo de empobrecimento que afetou parte da população idosa (com a atualização e aumento das pensões), assim como dos trabalhadores pobres (com o aumento gradual do salário mínimo), ou dos jovens e das crianças (com o aumento do abono de família, a gratuidade nos manuais escolares do 1º ciclo, os descontos no passe de transporte público). Estas e outras medidas, das quais sublinho a atualização do valor do Indexante dos Apoios Sociais, vão significar uma melhoria das condições de vida de milhões de portugueses.

Mas, acima de tudo, trata-se de um orçamento que resulta do exercício de bom senso político entre as forças partidárias de esquerda. Algo que há bem pouco tempo era ainda encarado como difícil de acontecer. Na verdade, tendo em conta os constrangimentos e regras orçamentais, que atualmente são impostas pelas instituições europeias, esta proposta dificilmente poderia ter avançado mais na amplitude das políticas redistributivas e de recuperação económica dos portugueses. Contudo, as fortes limitações não impediram os partidos de esquerda de aproveitarem a curta margem orçamental de que dispunham para se entenderem em torno de medidas importantes – sendo de salientar que o fizeram no quadro de uma intensa negociação política e profundamente democrática.

Contudo, para além da sensibilidade e do bom senso, algo mais terá de acontecer durante o próximo ano no seio da atual solução governativa. Do meu ponto de vista, será fundamental construir uma agenda política para o desenvolvimento que se reflita no aumento sustentável do crescimento económico. Esta estratégia deverá ser elaborada conjuntamente entre os partidos de esquerda, mas com a perspetiva de se alargar aos diversos parceiros sociais: sindicatos, associações empresariais, associações de desenvolvimento local, etc..

É importante que 2017 represente o ano da concertação para uma estratégia real de desenvolvimento. A atual proposta de orçamento, que irá ser debatida e votada na Assembleia da República, não pode descurar a construção coletiva deste horizonte de futuro. De outro modo, estaremos em permanente situação de risco onde o retrocesso social não cessará de ser uma recorrente possibilidade. Voltarei a este tema em próximos artigos.