É nossa convicção que não haverá guerra entre os EUA e o Irão nos tempos mais próximos. Ao contrário daquilo que muitos têm afirmado, estamos perante “jogadores” racionais. Apesar da recente crise ter podido resvalar para a guerra, era altamente improvável que isso tivesse acontecido. Nem os EUA nem o Irão a queriam.
É conhecida a retórica dos protagonistas para salvarem a face junto das suas opiniões públicas, apresentando-se ambos como vencedores. O Irão anunciou “treze cenários” para se vingar do assassínio de Soleimani, em que o mais fraco dos treze era um pesadelo histórico; os EUA ameaçaram bombardear 52 locais históricos do Irão. São muitos os exemplos.
Enquanto as figuradas gradas das duas partes se digladiavam verbalmente com ameaças, nos bastidores o tom da linguagem era significativamente diferente. Horas depois do ataque que vitimou Soleimani, o governo americano enviou uma mensagem urgente para Teerão, através do “canal suíço”, “indicando” às autoridades iranianas para não escalarem a crise.
Nos dias seguintes, a Casa Branca e os líderes iranianos continuaram a trocar mensagens através do “canal suíço”, que as autoridades de ambos os países descreveram como muito mais moderadas do que a retórica inflamada trocada publicamente. Tudo indicava que tanto Washington como Teerão se afastavam de um confronto aberto. Sublinhamos o papel crucial desempenhado pela Suíça no âmbito do seu mandato de “protecting power” entre os EUA e o Irão, mantendo canais de comunicação abertos que permitiram evitar erros de cálculo.
Foi um alívio quando se ouviu o presidente Trump dizer que “está tudo bem”, indicando o fim da crise. No seguimento das palavras de Trump, o vice-presidente Mike Pence disse que os EUA tinham recebido informações de que o Irão pediu às milícias xiitas iraquianas para não atacarem alvos americanos. Isto só foi possível graças à existência de um mecanismo de diálogo previamente estabelecido.
Mas o futuro não será radioso. Existem no Teatro de Operações atores pouco sofisticados que procuram apenas vingança. Funcionam por processo primário podendo as suas ações fugir ao controlo das cadeias de comando, e produzir resultados contraproducentes. Isso aplica-se, por exemplo, às ações da Kata’ib Hezbollah, a milícia xiita iraquiana comandada por Abu Mahdi al-Muhandis, que pereceu conjuntamente com Soleimani.
Um exemplo foi a salva de Katyushas que caiu na zona verde, a uns escassos 100 metros da embaixada americana em Bagdade. Existe o risco destes incidentes poderem provocar uma escalada da confrontação. A possibilidade de eventos táticos poderem assumir importância estratégica é real.
Embora sejam escassas as possibilidades do Irão poder retaliar no Levante (não existem bases militares americanas no Líbano, e as bases americanas na Síria albergam forças dos países da coligação internacional contra o Daesh. O risco de atingir tropas não americanas é elevado), no Iraque é diferente. É muito elevada a probabilidade de as forças americanas serem assediadas. Os líderes das diferentes milícias xiitas iraquianas concordaram em deixar de lado as suas diferenças e criar uma “resistência unida” às tropas americanas no país. A superação da crise causada pelo assassínio de Soleimani não significa que a paz esteja ao virar da esquina.