Numa primeira análise, a ISA 540 (Revista) parece impactar apenas o processo de auditoria, no entanto estando esta norma relacionada com estimativas contabilísticas e respetivas divulgações relacionadas não podemos deixar de analisar este tema na perspetiva dos responsáveis pela preparação do processo de relato financeiro.
Nesta perspetiva, este normativo irá exigir às empresas que incorporem no seu sistema de controlo interno uma maior transparência no processo de estabelecimento de pressupostos, dados, métodos e divulgações. Tudo isto para que o processo seja claro e transparente para os utilizadores das demonstrações financeiras.
Deste modo, este processo exige importantes alterações para administradores, diretores e controllers que se encontrem diretamente relacionados com o processo de relato financeiro, mas não só, estes efeitos irão impactar igualmente responsáveis por funções não financeiras, nomeadamente, aqueles que indiretamente contribuem com informação para o cálculo das estimativas. De salientar ainda que dará origem a considerações adicionais por parte dos órgãos de fiscalização.
Este tema tem ainda maior relevância, no atual momento, quer pela data de entrada em vigor da referida norma (15 de dezembro de 2019) quer pela consideração dos impactos provocados pelo Covid-19, obrigando a maioria das empresas a operar num ambiente económico desafiador e entre uma incerteza aumentada, com claro incremento na complexidade no cálculo de estimativas e a sua consequência no processo de relato financeiro.
Qual o motivo para esta revisão?
As normas internacionais de relato financeiro, com as alterações que vêm ocorrendo recentemente, têm vindo a incorporar nas estimativas maior nível de complexidade e também de incerteza, tornando este tema numa componente cada vez mais relevante para efeitos de elaboração das demonstrações financeiras.
Consequentemente, essas estimativas da gestão necessitam de ser adequadamente relatadas e desafiadas, exigindo aos auditores, órgãos de fiscalização e reguladores a aumentar o seu nível de diálogo e a reforçar a respetiva metodologia a aplicar.
Qual o impacto da Covid-19 neste processo?
A incerteza subjacente ao atual ambiente económico faz das estimativas a vários itens das demonstrações financeiras um exercício mais desafiador para as entidades. De acordo com um estudo recente publicado pela IFRS Foundation, identifica os principais desafios provocados pelo Covid-19, a saber: imparidade de instrumentos financeiros; imparidade de ativos não financeiros, avaliação do risco de continuidade; e divulgações das estimativas e julgamentos significativos.
Quais as implicações práticas?
A ISA 540 revista exige que o auditor realize procedimentos adicionais de compreensão e avaliação de riscos sobre as estimativas, incluindo outras novas exigências como por exemplo reforçar a importância do ceticismo profissional e a obtenção de prova corroborativa e contraditória.
Isto significa que existe a necessidade da gestão articular melhor seus procedimentos internos e controlos, em torno das estimativas e existir mais diálogo sobre os aspetos críticos das estimativas, obrigando os auditores e todos aqueles que estão envolvidos no processo a aumentarem o nível de interação entre as partes e os momentos em que o fazem.
Tendo em consideração o atual cenário provocado pelo Covid-19 é ainda necessário considerar o seguinte nas divulgações a efetuar: principais pressupostos utilizados e alterações face ao exercício anterior, incluindo respetivo impacto; o uso de julgamento (uso por exemplo de um pressuposto em detrimento de outro); e análise de sensibilidade aos principais pressupostos.
Mudanças chave
- A gestão deve reforçar os seus procedimentos internos e controlos no sentido de proporcionar uma evidência objetiva referente aos principais julgamentos, decisões e documentação de suporte utilizada para o efeito. O aumento da qualidade interna deste processo permitirá obter uma base mais sólida para discussões mais eficientes e eficazes entre a gestão e o auditor.
- É necessário aumentar a qualidade das divulgações efetuadas em relação aos principais julgamentos e estimativas utilizados na preparação das demonstrações financeiras, garantindo a identificação clara dos pressupostos assumidos, nível de incerteza associado, utilização da informação o mais atual possível e principais alterações face ao ano anterior.
- O auditor terá de obter declarações escritas mais detalhadas a obter junto da gestão, podendo desta forma existirem novas ou alteradas declarações em relação aos anos anteriores.
- Mais ênfase na necessidade do auditor exercer ceticismo profissional, procurando desafiar de forma mais assertiva e com base em informação corroborativa ou contraditória.
- O auditor terá de efetuar avaliações mais granulares sobre as estimativas que apresentem maior nível de julgamento, complexidade e materialidade, levando o auditor a dar mais ênfase à compreensão da natureza e extensão do processo de estimativa e dos aspetos chave das políticas e procedimentos relacionados, impactando certamente no nível de colaboração a existir entre gestão e o auditor.
Em suma, esta reflexão destaca alguns dos desafios subjacentes às estimativas contabilísticas na sua fase de preparação, auditoria e análise das demonstrações financeiras, incrementados por um momento de maior incerteza. O término da crise económica atual provocada pelo Covid-19 é de difícil definição, pelo que as entidades terão de continuar a operar num ambiente incerto, existindo desta forma uma necessidade maior de informações claras, transparentes e contextualizadas nas demonstrações financeiras.
Efetuando uma análise cuidada dos requisitos de divulgações exigidas pelas Normas Internacionais de Relato Financeiro, e até pelas normas do Sistema de Normalização Contabilística, verificamos que de alguma forma já existem requisitos que permitem dar resposta a estas preocupações, mas é sem dúvida necessário aumentar o nível de rigor na sua aplicação por forma a garantir transparência, em benefício de todas as partes envolvidas neste processo.