A empresária Isabel dos Santos, cujas contas bancárias e participações em empresas em Angola foram arrestadas por despacho do Tribunal Provincial de Luanda no dia 23 de dezembro, afirma esta terça-feira que não conhece o teor da acusação contra si e não teve oportunidade de apresentar a sua defesa.
“Os factos dados como provados para fundamentar o decretamento do arresto de bens de Isabel dos Santos padecem de evidentes falsidades, imprecisões e omissões”, diz a empresária, em comunicado.
A justiça angolana vai arrestar bens de Isabel dos Santos, filha do ex-presidente José Eduardo dos Santos, incluindo contas bancárias e participações em várias empresas angolanas. A decisão judicial, pedida pelo Estado angolano, indica que está em causa a não devolução de um financiamento que a Sonangol tinha constituído para pagar a entrada da Exem — cujos beneficiários são a empresária e o marido — numa sociedade controlada pelo Grupo Amorim e dessa forma, indiretamente, na portuguesa Galp Energia.
Isabel dos Santos explica que só soube do despacho por meio da sua divulgação nas redes sociais e comunicação social.
Esclarece que nunca foi notificada pela Procuradoria Geral da República ou citada pelo Tribunal Provincial de Luanda. “Desconhecendo o teor da acusação contra si, não teve oportunidade de apresentar defesa. Tão pouco conhece quando teve lugar a audiência de testemunhas referida no despacho sentença, a sua identidade ou quaisquer outros supostos elementos de prova trazidos ao processo”.
A empresária afirma que o tribunal fundou a sua convicção nos documentos juntos aos autos pelo requerente Procudoria Geral da República e nos depoimentos constantes da acta de inquirição de testemunhas.
“Quem são estas testemunhas que revelam ter conhecimento directo da maioria dos factos sobre os quais depuseram? E que documentos são estes apresentados ao tribunal?”, questiona.
“Este despacho sentença é resultado de um julgamento de uma providência cautelar, que ocorreu sem conhecimento das partes, de forma aparentemente arbitrária e politicamente motivado”, lê-se no comunicado.
“Não compreendendo nem se podendo conformar com este enquadramento num Estado de Direito democrático como é Angola, Isabel dos Santos pretende opor-se a cada uma destas alegações em sede e tempo próprio nos termos estabelecidos na lei angolana”.
Empresária diz que Exem pagou 75 milhões de euros à Sonangol
O arresto abrange contas bancárias no BFA, BIC e BAI e BE, participações de 25% no Banco Internacional de Crédito, por intermédio da SAR- Sociedade de Participações Financeiras, 17% do BIC por intermédio da Finisantoro Holding, 51% do Banco de Fomento Angola através da Unitel, 25% da Unitel, 99,5% da ZAP Midia através da Finstar, 100% da empresa Finstar, na Cimangola, 97% da Condis Sociedade de Distribuição de Angola, entre outras.
Segundo a fundamentação do Estado angolano, foi celebrado um contrato, através da estatais SODIAM e Sonangol, para criar a Esperaza Holding, detida em 60% pela Sonangol e 40% Exem Energy BV (na Holanda) de quem são beneficiários não só Isabel dos Santos mas também o marido Sindika Dokolo e o português Mario Leite da Silva.
Segundo a PGR angolana “houve uma tentativa de pagamento da dívida por parte dos requeridos [dos Santos, Dokolo e Leite da Silva] em kwanzas, facto que foi rejeitado em virtude da dívida ter sido contraída em euros”.
Além desse montante, houve ainda outro empréstimo do Estado angolano para investir na empresa suíça De Grisogono, no valor de 146,2 milhões dólares, por intermédio do BIC. Os três empresários constituíram a sociedade tributária Victória Holding detida em partes iguais pela Exem e pela SODIAM.
O Estado angolano alega ter tido um prejuízo de 1.136 milhões de dólares, acrescenta a fundamentação. É com base nesta perda que o Tribunal Provincial de Luanda decretou o arresto.
Isabel dos Santos argumenta, no comunicado, que “ao contrário do que é referido no despacho sentença, a Exem executou pagamentos à Sonangol num total equivalente a 75 milhões de euros , dos quais 11,5 milhões de euros em 2006 e 63,5 milhões de euros (montante equivalente em kwanzas) pagos em outubro de 2017”.
Explica ainda que “aliás, nos termos da documentação contratual inicial (MoU Esperaza (Sonangol – Exem África) e Contrato de Compra de Ações (Esperaza-Sonangol-Exem Energy)), a Sonangol deveria receber 15% do valor no momento do investimento e o restante em Dezembro de 2017”.
A empresária recorda que dado que em julho de 2017 a Sonangol se encontrava numa situação financeira crítica, foi o PCE da Sonangol, Paulino Jerónimo, que solicitou à EXEM o pagamento antecipado do contrato, aceitando e indicando kwanzas como a moeda para pagamento uma vez que a Sonangol tinha necessidades urgentes de pagamento em kwanzas para as cash calls em dívida a empresas petrolíferas estrangeiras.
Estes kwanzas foram, segundo Isabel dos Santos, também usados para importar combustíveis e garantir que não haveria interrupção do fornecimento de combustível ao país conforme resulta, inclusivamente, do comunicado de imprensa emitido pela Sonangol após a saída de Carlos Saturnino.
“A Exem e a Sonangol haviam assim chegado a um acordo em meados de 2017 que permitiu que a Sonangol recebesse antecipadamente e Exem pagasse em kwanzas, o qual resulta aliás de diversa correspondência trocada entre ambas. No seguimento desse acordo, a Exem realizou o pagamento em kwanzas em Outubro de 2017, possibilidade essa que resulta, claramente, da lei angolana, em particular, do artigo 558 do Código Civil que prevê que a estipulação do cumprimento de uma obrigação em moeda estrangeira não impede o devedor de pagar em moeda nacional”, sublinha.
“Em janeiro de 2018, o então PCA da Sonangol Carlos Saturnino, deu ordens para que se procedesse à devolução dos valores pagos pela Exem, depois de decorridos já quatro meses desde sua transferência para a Sonangol”, acrescenta. “Note-se que na sequência desta devolução, iniciou-se um litígio entre a Exem e a Sonangol na Holanda, no âmbito do qual os advogados da Sonangol encetaram negociações para chegar a um acordo e no qual reconheciam que o pagamento havia sido feito pela Exem”.
A empresária recorda que em 2005, a participação da Sonangol estava avaliada em cerca de 429 milhões de euros, estando actualmente avaliada em cerca de 960 milhões de euros.
“Acresce que, a Esperaza recebeu até esta data mais de 217 milhões de euros em dividendos e, tendo como referência o preço atual das ações da Galp Energia em bolsa e após o reembolso do passivo existente, o valor líquido da Esperaza ascende actualmente a cerca de 1,6 mil milhões de euros.
“É por isso falsa a informação de que o investimento na Galp foi lesivo para o Estado angolano. Na realidade, esta a oportunidade de negócio proporcionada à Sonangol em 2005, é o investimento mais rentável na história da Sonangol”, vinca Isabel dos Santos.
“Não está a ocultar o património”
A empresária, que tem também participações em Portugal na telecom NOS e na empresa de engenharia Efacec, presidiu à Sonangol entre junho de 2016 e novembro de 2017, quando foi exonerada por João Lourenço, presidente do país desde agosto de 2017.
O Estado angolano alegou na fundamentação que “os requeridos estão a ocultar o património obtido às custas do Estado, transferindo-os para outras entidades”.
Alegou ainda que “a requerida Isabel dos Santos, por intermédio do seu sócio Leopoldino Fragoso do Nascimento, está a tentar transferir alguns dos seus negócios para a Rússia, tendo a Polícia Judiciária Portuguesa interceptado uma transferência no valor de 10 milhões de euros que se destinava à Russia.
Isabel dos Santos defende-se dizendo que “uma vez mais é falsa e forjada a informação” que ordenou uma transferência de uma conta do General Leopoldino do Nascimento junto Banco Millennium para uma conta na Rússia.
“Como é também falsa a afirmação da intervenção da polícia judiciária portuguesa, não tendo Isabel dos Santos nenhuma ligação a este assunto e desconhecendo o mesmo. Novamente devendo a PGR, se estiver de boa fé, informar sobre os detalhes da suposta instrução bancária de Isabel dos Santos relativamente a uma conta do General Leopoldino do Nascimento e informação sobre a intervenção da Polícia Judiciária portuguesa”, afirma o comunicado.
“Finalmente, é falsa a afirmação que Isabel dos Santos está a ocultar património obtido à custa do Estado transferindo para outras entidades, conclui.
[Atualizada às 19h48]
Tagus Park – Edifício Tecnologia 4.1
Avenida Professor Doutor Cavaco Silva, nº 71 a 74
2740-122 – Porto Salvo, Portugal
online@medianove.com