Não foi o conhecimento público do facto de ser filho do secretário particular de Winston Churchill que mais fez pela afirmação de Justin Welby enquanto Arcebispo de Canterbury, primaz de toda a comunhão anglicana. O que o faz presente e determinante na igreja da Inglaterra atual é a circunstância de ter apertado, sem freio, os inúmeros casos de abuso que ao longo de décadas atacaram os seminários e as igrejas.

Welby cumpriu o teste de ADN quando questionaram as suas origens. Era verdade, Anthony Browne era seu pai natural e sua mãe havia escondido tal circunstância durante décadas. Isabel II – Rainha de Inglaterra, Chefe da Igreja Anglicana –, enquanto máximo símbolo da sua igreja, não terá emitido opinião pública, mas, pelo passado, terá ficado preocupada com a evidência de ter falhado o rastreio para a escolha do primordial.

Quem tem merecido uma perseguição intensa tem sido Lord Carey, George Carey, o antecessor. O esforço para que limite a sua ação evangélica, para que não intervenha na atividade da igreja, pelo facto de ter escondido dezenas de crimes contra menores, levou Carey a difundir uma carta, dita pessoal, onde tudo é tratado e lamentado, até a redução do tamanho da residência que lhe está destinada ou a menorização do trabalho na Câmara dos Lordes.

E por que é importante esta abordagem na Igreja de Inglaterra para seguirmos nas suas especificidades? Porque as últimas décadas fizeram vir ao de cima a forma como ela nasceu, a irreverência siamesa da “mundanice” do criador.

Se a família da Rainha já se tinha dado, reincidentemente, à negação dos santos mistérios, se a adequação dos ritos, em terras de outros países e continentes, retirou leitura institucional à prática litúrgica, os crimes conhecidos e as guerras entre titãs do passado e do presente levam Isabel II a aumentar a sua inquietação.

Esta igreja episcopal afirma-se como tendo caminhado antes, e desde os celtas, até às missões gregorianas que seis séculos depois de Cristo se afirmaram. Até ao século XVI o Papa também implicou Inglaterra e só o casamento, que Henrique VIII entendeu anular, com Catarina de Aragão, provocou a cisão.

Quando olhamos para outras religiões e outras confissões esquecemos que a igreja de Inglaterra insere um conjunto indefinido de linhas. Umas mais avançadas, outras mais reacionárias. No universo dos crentes e clérigos não há uma opção total sobre a ordenação das mulheres, como também não há sobre o aborto. Mas a leitura de sociedade vai mais fundo nas rejeições. Há quem olhe a homossexualidade com naturalidade e quem seja mais radical quando comparamos com os católicos romanos. E até há quem se afirme praticante da poligamia, desconcertante forma de consagrar esposas várias como uma exigência da condição de ser homem.

A casa Tudor não se importou com a sustentação teológica da nova Igreja. Mas ela assentou numa espécie de reinterpretação dos textos iniciais, a que foram apensados pensamentos de outras origens.

Trinta e Nove Artigos de Religião ou Livro de Oração Comum, em tradução simples, vão sendo usados de forma flexível, porque não se garante a unidade, nunca se objetivou o pensamento único litúrgico.

Uma das questões que mais tem sido abordada no universo católico é a do fim do celibato. Não havendo nos anglicanos uma métrica, o atual chefe é até prolixo na procriação, a liberdade de constituir família foi-se consolidando. Mas essa realidade levou a que houvesse mais disponibilidade para o acompanhamento dos rebanhos paroquiais? Não, tal não aconteceu. Como acontece com Roma, Canterbury não estancou a retração de fiéis.

O problema da leitura sobre as religiões é hoje uma ausência do debate intelectual. A forma como os teólogos se afastaram dos centros de poder é preocupante e a implicação pós-marxista nos olhares da filosofia e da história fazem da fé campo de gente que, a prazo, será consagrada inculta.