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Istambul, Memórias de uma Cidade

“Agora, no entanto, esforço-me por falar não da melancolia de Istambul, mas do hüzün (muito próximo da melancolia).”
19 Janeiro 2018, 10h50

“[…] Falo dos fins de tarde que chegam cedo, dos pais que voltam para casa de saco de plástico na mão […], dos barbeiros que se queixam de que, depois das crises, as pessoas se barbeiam menos vezes; falo dos marinheiros que, de balde na mão, limpam os velhos vapur do Bósforo […], falo das crianças que jogam à bola nas ruas estreitas e empedradas, por entre os carros; falo das mulheres de lenço islâmico que, de saco de plástico na mão, esperam em silêncio, numa paragem perdida, um autocarro que decididamente não chega […] Falo dos velhos de turbante que vendem nos pátios das mesquitas opúsculos religiosos, rosários e unguentos de peregrinos […], das muralhas da cidade, herdadas de Bizâncio, num estado de decrepitude avançado, dos lugares de mercado que se esvaziam à noite […], das gaivotas que se mantêm imóveis debaixo de chuva […].”

Istambul assemelha-se a Lisboa, até nesse sentimento que julgamos ser exclusivo dos portugueses, a saudade, que é também muito próximo da melancolia. O rio e o nevoeiro, a luz e as sombras, os bairros populares, as colinas com as vistas deslumbrantes para a água prateada nos dias de sol, a sirene dos barcos e as gaivotas empoleiradas nos candeeiros, são inúmeros os detalhes que fazem de Lisboa e Istambul quase cidades gémeas.

Quem melhor descreve o ambiente e o sentido de lugar da sua cidade natal é o escritor turco, Orhan Pamuk, Prémio Nobel da Literatura em 2006. Muito presente nos seus livros – que têm frequentemente algo de autobiográfico –, Istambul é amplamente percorrida e explorada numa tentativa de encontrar o significado de nascer num determinado lugar do mundo e em determinado momento da História, numa espécie de viagem pela alma da cidade. Esse significado pode ser encontrado neste magnífico retrato citadino que é “Istambul, Memórias de uma Cidade”, publicado em português pela Editorial Presença (que vai já na 8.ª edição), e que inclui diversas fotografias a preto e branco.

Orhan Pamuk nasceu em 1952, no seio de uma família numerosa, num bairro rico e ocidentalizado de Istambul. Como queria ser artista, começou por estudar Arquitetura e, posteriormente, Jornalismo. Aos 23 anos, decidiu tornar-se escritor e, abandonando tudo o resto, fechou-se no seu apartamento e começou a escrever, ofício a que se tem dedicado em exclusivo há 40 anos. À parte os três anos em que viveu em Nova Iorque, tem vivido sempre no mesmo bairro de Istambul. As suas posições políticas e a defesa da liberdade de expressão têm-lhe trazido alguns dissabores (incluindo livros seus que foram queimados num comício), vindos particularmente dos meios ultranacionalistas.

A sugestão de leitura desta semana da livraria Palavra de Viajante

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