“Já não tenho medo do vírus, tenho medo de perder a casa” – ouvia-se numa entrevista de uma rádio há dias. Como Raquel, há milhares de pessoas que têm o mesmo medo: com o fim das moratórias em setembro a crise na habitação vai ser tremenda.
Por causa da pandemia houve milhares de pessoas que perderam rendimento devido ao lay-off, perderam o trabalho ou perderam os seus negócios. Só em Lisboa, 150 mil pessoas viviam do turismo e desde há um ano não têm trabalho.
Mas, apesar do desemprego, apesar da perda de rendimentos, apesar dos alojamentos locais estarem sem turistas, apesar das centenas de hotéis desertos e à venda, apesar das lojas e restaurantes estarem a fechar, o preço das casas continua a subir. Parece impossível de explicar, mas as avaliações bancárias subiram 7% mesmo durante a pandemia.
Tudo se conjuga para que setembro seja catastrófico: as casas estão cada vez mais caras, as moratórias vão acabar e as famílias estão em dificuldades financeiras.
Ao contrário da direita, que continua a elogiar a lei das rendas que foi aprovada pelo governo PSD/CDS e não tem nenhuma proposta, toda a esquerda tem defendido que só habitação pública para as classes médias pode ajudar a regular o mercado de habitação. Afinal de contas, Portugal tem cerca de 2% de habitação pública, quando a média europeia é de 9%. Mas há diferenças que são importantes.
Em Lisboa, Fernando Medina tem defendido uma versão do Programa de Renda Acessível (PRA) com concessões aos privados, constituindo uma PPP – Parceria Pública Privada. Este programa é um erro e é simples de explicar porquê: a câmara dá o terreno e os privados constroem e recolhem rendas acessíveis de 70% dessas casas, mas cerca de 30% ficam para o privado usar como quiser.
Na primeira versão do programa, os privados podiam até vender essas casas, mas depois das críticas – essencialmente do Bloco de Esquerda que sempre votou contra esta PPP – Medina alterou o programa e os privados ficam com 30% das casas para renda especulativa durante 90 anos.
90 anos! A crise habitacional é agora e não faz sentido ter uma política que quer travar a especulação e que depois entrega casas para rendas especulativas. Provavelmente, só os nossos netos irão ver estas casas voltar ao uso público.
Só nas últimas semanas, foram aprovados programas de renda acessível versão PPP em Benfica, no Restelo, no Parque das Nações e no Paço da Rainha, em Lisboa, num total de cerca de 700 casas que se perdem para combater a crise na habitação.
Ora, há outro caminho: o programa de renda acessível 100% público, que, ao contrário da versão PPP, que não vai ter entregue nenhuma casa até ao final deste mandato, terá já entregues milhares de casas a lisboetas. Neste programa, que usou terrenos da autarquia, a compra de edifícios do estado central e algum património disperso da câmara, é a própria autarquia que constrói e aluga as casas às famílias de classe média.
Medina tem dito que Lisboa não tem dinheiro para tudo, mas num orçamento de mais de mil milhões de euros (o maior do país), com os financiamentos para a habitação a não contarem para os limites do endividamento e com os fundos europeus do Programa de Recuperação e Resiliência, não se trata de saber se não há dinheiro, mas antes se não há vontade política.
Em setembro, em plena campanha autárquica, vamos estar a braços com uma crise habitacional sem precedentes que o Governo PS não quis resolver (Portugal é dos países que menos investiu no combate à crise). A pergunta é se a maioria PS na câmara de Lisboa vai querer ter meios para resolver a crise na habitação ou se vai continuar a desperdiçar milhares de casas nas PPP da habitação.