Decorridos cerca de quatro anos desde o eclodir internacional do movimento ‘Me Too’, com vastas repercussões em sociedades ocidentais, é seguro afirmar que vitórias importantes foram alcançadas. Mulheres silenciadas pelos seus agressores confrontaram finalmente de forma coletiva, e sem medo, os atos de predadores e expuseram relações de poder que durante um longo tempo as colocaram numa posição vulnerável a assédio e agressão.

O silêncio arrepiante que se instalou na sociedade portuguesa perante o ‘Me Too’ não é sinónimo de que esses casos não existem em Portugal, mas que as estruturas e relações de poder são demasiado fortes e impossibilitam as denúncias, sob risco de as vítimas verem as suas carreiras e vidas destruídas. Não desconsiderando algumas tentativas de denúncia anteriores, não podemos ficar impávidos perante a denúncia recentemente feita pela atriz Sofia Arruda, que revelou ter ficado anos sem trabalhar numa estação televisiva por recusar ceder ao assédio sexual de uma pessoa bem colocada na hierarquia do canal. Num meio tão pequeno como Portugal, a coragem para tomar este passo é assinalável. Sofia Arruda terá certamente noção de que será alvo de apoio e solidariedade, mas também ataques e acusações de protagonismo ou difamação.

As reações a este caso, de facto, confirmam como ainda temos um longo caminho por percorrer. A pressão pública para se divulgarem os nomes dos agressores coloca o foco inteiramente na vítima e ignora o seu sofrimento. Pedir à vítima para recorrer à polícia e tribunais mostra ignorância do historial de atuação policial e legal que está longe de garantir um final feliz a este tipo de histórias. Recordo que foi apenas há poucos anos que ocorreram as manifestações contra a justiça machista, na sequência dos acórdãos do juiz Neto de Moura e que evidenciaram bem o retrato perturbante de uma justiça portuguesa que tarda em progredir.

Graças à sua visibilidade mediática, Sofia Arruda possibilitou esta semana que surgissem relatos de mulheres nas redes sociais, portuguesas mas também imigrantes, a exporem situações críticas e complexas com chefias, colegas ou amigos. É aqui que a sororidade se revela fundamental e permite a todas as mulheres mostrarem uma frente unida, colocando de lado sectarismos e ajudando a moldar uma comunidade em que as mulheres se sintam escutadas e protegidas.

De relembrar que ‘Me Too’ não permitiu apenas partilhar histórias de vítimas de assédio e agressão sexual sem medo de retaliação. Em muitos países, possibilitou lançar mudanças significativas a nível não só social, mas também legal. A discussão que ainda está em curso fortaleceu redes e ligações que possibilitaram uma mobilização capaz de exercer importante pressão legislativa.

Para que possamos alcançar essa etapa importante tem de se gerar um consenso nesta matéria na sociedade e, acima de tudo, a informação correta sobre os limites do consentimento (sem nos focarmos apenas em casos muito violentos), com a devida formação das autoridades sobre como lidar com estes casos específicos sem agravar ou desprezar o sofrimento das vítimas.

Já vai tarde um ‘Me Too’ português, mas ainda vai a tempo.