O período da Guerra Fria, de um pouco mais de 40 anos, foi determinante na recuperação e crescimento acelerado da economia do Japão. Mas, para além da enorme criação de riqueza, foram germinando, em crescendo, sementes de mudanças societárias, nomeadamente em termos de uma maior afirmação da juventude e da mulher japonesas.

Essas sementes vão dar origem a uma dupla perturbação social posterior. A desmotivação/rejeição da juventude do modelo de sociedade dos seus pais, de entrega ao trabalho da Nação a qualquer preço (em tempo e salários) e, em contraste, mostra a vontade por um quadro de vida “mais ocidentalizado”. Por seu lado, a mulher japonesa assume um processo embora lento de emancipação, pondo em causa a tradicional subjugação à família e ao marido, em procura de um lugar digno e diferente do da sua mãe, na sociedade do país.

Dois processos que disparam quase em simultâneo no tempo pós-Guerra Fria, perturbando de forma drástica uma sociedade que seguia um modelo muito alinhado e certinho. Por outro lado, uma crise económica profunda manifesta-se neste período e esta com raízes em múltiplos factores e comportamentos gerados com o processo de crescimento.

Ao mesmo tempo que o Japão ia crescendo, não avançava sozinho. Outros países asiáticos vão marcando presença no xadrez da competição.

Temos, por um lado, a China e, por outro, países como a Coreia do Sul que se posiciona na disputa de áreas da especialização da indústria japonesa como o automóvel e na construção naval onde se destaca e torna mais competitiva. Também em certos segmentos da electrónica, equipamentos de consumo sobretudo, o Japão é ultrapassado. Sofre uma grande concorrência de alguns novos territórios em industrialização como Taiwan, Singapura, Hong-Kong e outros que vêm depois como a Malásia, Indonésia, Filipinas e mais recentemente até o Vietname.

À crise económica junta-se uma grave crise financeira na base da concessão do crédito “fácil” às empresas e aos particulares, o chamado malparado, porque, sem análise de sustentabilidade e garantias reais, os créditos eram facilitados pelo conhecimento e influência política e também pelo amiguismo e contra-favores, onde a corrupção entra em grande escala.

As consequências deste tipo de gestão são aquelas que todos conhecemos: o contribuinte japonês (português!) a pagar a “recuperação” dos bancos com aquela argumentação da sua importância no sistema financeiro como também se ouviu por cá com o BPN e o Banif. O BES é apesar de tudo um caso à parte, se bem que, em meu entender, muito mal resolvido para mal da economia portuguesa.

Mas o crédito malparado no Japão atingiu tal dimensão que apenas dois dos 19 bancos existentes reuniam condições mínimas para continuarem por si, ou seja, detinham condições de capitalização para cobrir o montante dos empréstimos concedidos. Uma situação mesmo catastrófica numa economia ainda pujante.

Esta crise financeira trouxe associada uma crise imobiliária e de bolsa. Primeiro, grande subida do preço do imobiliário e das acções e depois uma queda retumbante de desvalorização. O índice Nikkei entre finais de 1989 e meados de 1992 tombou tanto ou mais que os EUA aquando da grande depressão mundial de 1929-1932.

Mas as crises não se ficam por aqui.

Às crises económico-financeira e social sucede-se a crise política. O PLD (partido liberal democrata) que praticamente entra no poder com a saída do Japão da alçada dos EUA perde toda a credibilidade pois se assemelha a um agrupamento de clãs em disputa pelo poder político e afunda-se numa grande promiscuidade dos negócios, situação que que não nos é de todo desconhecida. Só que este descrédito arrasta consigo a concertação social, um factor de grande estabilidade social no Japão, embora um ou outro grande grupo económico (poucos) tenha tentado descolar deste lamaçal.

Uma sociedade com toda esta turbulência e os choques de mudança de mentalidade da juventude e do novo paradigma da mulher em formação fica bem frágil e um pouco caótica e desorientada. A isto acresce uma sociedade em processo de envelhecimento. O Japão sempre foi e continua avesso aos fenómenos migratórios, tornando-se hoje um dos países mais envelhecidos do mundo com taxas de fecundidade que não asseguram o processo de renovação populacional.

Todas estas numerosas crises de origem interna reduzem de forma drástica a competitividade das exportações japonesas nos mercados, contribuindo para o abrandamento ou estagnação do seu crescimento económico.

Mas a tudo isto há que juntar uma nova reconfiguração geoestratégica. O Japão sentiu que, de algum modo, os EUA o secundarizaram face à China pelo menos enquanto durou um relacionamento institucional e privilegiado entre os dois países na sequência do conflito sino-soviético. Esta situação abalou as elites japonesas que aspiravam ser reconhecidas como segunda potência mundial e primeira da Ásia.

Por outro lado, no Ocidente e em especial na sociedade americana, o crescimento exponencial do Japão criou desconfiança sobre as intenções do Japão. Tanto assim é que no Ocidente era tido durante a década de 1980 como um Estado bem mais perigoso que a China.

Esta mistura de crises e de desconfiança traduziu-se na economia japonesa por uma retracção do crescimento a partir de 1990, uma inflação zero quando não negativa, que se prolonga para a década de 2000 e continua. Assim, segundo dados do CEPII- PIB o crescimento anual médio 2009/2000 e 2019/2009 foi de respectivamente 0,3% e 1,3% (em paridades poder de compra).

Não se poderá dizer que o Japão perdeu todas as suas potencialidades de desenvolvimento, pois continua mais “avançado” que o Ocidente, ao lado de um grupo de países da Ásia, onde pontifica a China por exemplo, no uso da Internet. Acusa contudo dificuldades na aplicação de algumas das novas tecnologias por, segundo os analistas, o ensino superior se encontrar presentemente desajustado.

Que futuro?

O Japão ocupa actualmente (2019) a terceira posição em termos de PIB nominal atrás da China e EUA.

No ano de 2033, numa projecção do FMI para este mesmo indicador, o Japão será quarto com a Alemanha em quinto, sendo a ordem nessa data China, EUA, Índia, Japão, Alemanha, mas com o PIB nominal a situar-se nos 24,2% dos EUA (23% do da China), quando na década de 80, em média, correspondia a 43% do dos EUA.

A situação do Japão é complexa, encontra-se em perda lenta (tal como o Ocidente). Terá de reconfigurar a sua estratégia no novo contexto mundial e asiático e, designadamente, repensar o chapéu da sua defesa. Aliás, como a Europa face aos EUA, num caminho mais de orientação para a paz mundial.

O Japão tem história que bem pode permitir pensar esse caminho de um não alinhamento cego em blocos, mas em parcerias úteis e negociadas.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.